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sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ativismo gordinho.

Com a correria não consegui tirar uma foto decente.

Hoje na Adhemar de Barros pelo menos duas das gordinhas de dona Eliana estavam usando "camisetas". A que eu consegui ler dizia "ABORTO LEGAL PRA NÃO MORRER". A frase me atingiu em cheio! Além disso, achei a forma de passar a mensagem muito interessante.

Pra mim a interrupção da gravidez com dignidade e segurança tem a ver com saúde pública e cidadania. Me incomoda muito o fato de a religião de alguns ditar a vida (e eventual morte) de todos. Penso que não faz sentido arriscar a vida de uma mulher pra poupar um supostamente divino feto ou embrião, especialmente se este for tornar-se humanamente miserável num horizonte de meses.

E olhe que eu estava evitando falar em religião aqui...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Preguiça e amizade.

Acabo de descobrir uma forma fácil de fazer referência a posts de amigos. Inauguro a modalidade com 2 referências: um post de David a respeito de internet e TV , e um infantil post de Melissa.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Somos uns machinhos otários.

Sempre me comportei como heterossexual. Era a minha primeira vez naquele lugar, levado por um amigo habitué. De repente me vi diante de um par de dignos representantes do sexo masculino, os quais embora nao fossem tipos comuns, eram parecidos: jovens, fortes, negros cabelos longos, penteados elaborados. Ambos estavam descalços, torsos nus, e trajavam tangas com miçangas. Os peitos desenvolvidos destacavam-se nos corpos depilados. Os presentes, homens e mulheres, pareciam ansiosos para ver o que iria acontecer. Estávamos num local amplo, a preocupacao com a higiene era evidente, mas lembro-me de ter pensado que aquele espaço era pequeno demais para aquele par de espécimens.

Os dois estavam frente a frente, e olhavam-se nos olhos. O homem à minha direita, mais alto, parecia estar seguro de si, mas hesitou, desviou o olhar, e afastou-se. O outro seguiu-lhe o exemplo, visivelmente irritado. Cada qual no seu canto, pareceram desabafar com confidentes. Estavam tensos. Suavam. Olharam-se novamente e voltaram para onde haviam estado momentos antes. Agora pareciam decididos, e agiam como machos fanfarroes: gestos largos, ocupando o espaço, marcando territorios. O homem à minha esquerda bateu acintosamente no abdomen. Em resposta, o outro tocou o pênis por sobre a tanga. Achei que eram gestos estudados...

Havia ainda um terceiro homem, que trajava um vestido branco com detalhes em preto, meias brancas, sandalia baixa também branca. Usava um chapéu preto, e segurava um leque. O clima era tenso, e tudo parecia ser controlado pelo crossdresser. Depois de se olharem fixamente por alguns segundos, o homem à esquerda tomou a iniciativa e partiu em direcao ao outro, que respondeu positivamente. O que se seguiu foi um dos contatos mais intensos e dramáticos que já presenciei entre dois homens, excetuando-se atos de violência física. Eles pareciam ter fome um do outro. Eram ávidos, enérgicos, frenéticos. Agarravam-se, abraçavam-se, arrebitavam-se, tentavam despir-se mutuamente, procuravam a melhor posição. Mantiveram-se de pé, os rostos colados, mas não se beijaram. O crossdresser movia-se rapidamente de um lado pro outro em busca de bons ângulos.

Aquele frenesi não durou nem um minuto. De repente os dois caíram no chao, o mais alto por cima. Como se aquilo o tivera levado instantaneamente ao clímax, ele saiu da posição, rolando abruptamente para o lado. Levantou-se tão rapidamente quanto pode, mas não sem que antes lhe passassem a mão na bunda. As pessoas estavam enlouquecidas. O homem que tinha estado por baixo pôs-se de pé rapidamente. Ambos ofegavam. Tornaram-se arredios, e pareciam frustrados, especialmente o mais baixo. Evitaram olharem-se nos olhos, cumprimentaram-se de longe, e afastaram-se, cada um pro seu lado.

Os presentes estavam excitadíssimos! Pude perceber a essência daquilo tudo: subjugação, poder, controle. "Somos uns machinhos otários", pensei. Desconfio que tenho alguma simpatia por acrósticos. Desconfie também.

Para ver o video da performance descrita acima, clique aqui .

"O sumô é um esporte de contato onde dois lutadores (rikishi) tentam cada um forçar o outro para fora de um ringue circular (dohyo), ou a tocar o solo com qualquer parte do corpo que não as solas dos pés. O esporte originou-se no Japão, onde atualmente ainda é muito popular, sendo aquele o único país onde é praticado profissionalmente. Na história contemporânea, houve uma pequena porém significativa quantidade de lutadores não-japoneses, muitos chegando a atingir a condição máxima de yokozuna. Os japoneses consideram o sumô "gendai budo", arte marcial moderna, embora o esporte tenha uma história de muitos séculos. A tradição do sumô é muito antiga, e mesmo hoje o esporte conta com muitos elementos rituais, como por exemplo a utilização do sal para purificação, vinda do tempo em que o sumô era parte da religião Xintoísta. A vida de um rikishi é altamente sistematizada e controlada, com regras definidas pela Associação de Sumô. Os lutadores de sumô devem viver em "alojamentos comunitários" onde todos os aspectos das suas vidas quotidianas - das refeições à forma de vestir - são ditados por rígidas tradições."

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Relacionamento aberto

Carla e Paulo se encontraram no centro médico.

- Você por aqui? Ta tudo bem?
- Oooiiiiiiiiiiiii!!! Tudo! Tô saindo do dentista. Minha boca ta torta?
- Sua boca ta normal.
- E aí, tudo certinho?
- Tudo. Eu vim buscar uns exames de minha mãe...
- Ela ta bem?
- Ta.
- E as novidades?
- Tudo indo...
- Namorando?
- Tô.
- Com aquela mesma menina?
- É, ainda tô com ela.
- Que bom.

- Ah! Eu vi no seu orkut que você ta tendo um "relacionamento aberto". Que novidade é essa?

- Menino... é ma-ra-vi-lho-so! Cada um tem seu canto, a gente só se vê quando quer, pode ficar com outras pessoas, não tem cobrança...

- Interessante. Como foi que isso rolou? Que eu me lembre, você não tinha nada de aberta...

- Pois é... mas eu mudei. Cansei das mentiras de vocês, sabia? Eu simplesmente decidi que ia ter um relacionamento assim, e comecei a procurar alguém...

- E achou.

- Achei. Foi facinho!

- Jura?

- Tô te dizendo...

- Há quanto tempo ta rolando essa estória?

- Quatro meses.

- Sem problemas?

- Nenhum problema.

- Quem é o felizardo?

- ... Cláudio.

- Cláudio... eu conheço?

- Claro que conhece! Claudinho... seu irmão!

- Meu irmão?!?!? Mentira!!!

- Ele mesmo.

- Mas... a gente tem conversado tanto ultimamente... e ele não me disse nada...!

- Deve ser porque ele não ta sabendo...

- O que?!? Você pirou???!!!???

- Pirei nada. É assim: eu falo que tô tendo um relacionamento aberto. Se alguem insiste muito em saber com quem, eu digo que o nome do cara é Cláudio, mas não dou referências. Faço de tudo pra não identificar. Até agora só tive que dizer que é Claudinho-seu-irmão pra duas pessoas, mas eu duvido que ele fique sabendo de alguma coisa através delas.

- Putaquipariu!

- Calma. Veja bem... eu digo que a relação é totalmente aberta, que mora cada um no seu canto, que a gente só se ve quando quer, que a gente às vezes se encontra mas não fica junto, que a gente pode ficar com outras pessoas, que não rola cobrança, blablabla...

- Sim...

- ... aí ninguem estranha se eu tô sozinha, não vão achar esquisito se virem ele com alguém, acham normal a gente não sair juntos, não me enchem o saco porque eu tô solteira, eu fico com quem eu quero, ninguém me vigia, não fazem fofoca, a ainda me acham cabeça, sexy, interessante, cool, moderna, e tal. É só alegria!

- Carlinha, o cara tem namorada!!!

- Qual é o problema? Todo mundo sabe que a gente pode namorar outras pessoas.

- Você é doida. Ele vai reagir mal se souber desse "relacionamento" de vocês.

- Ele vai ficar puto! E vai terminar comigo.

- Você não ta preocupada?

- Não muito. Voce sabe que a gente é super-amigo, né? Ele vai se zangar, depois vai deszangar, e a gente vai dar muita risada dessa estória.

- Pode ser...

- Você não vai contar a ele, vai?!?

- Eu não! Mas eu acho melhor você terminar esse tal relacionamento...

- É... talvez seja melhor mesmo. Mas é uma pena...

- Por que?

- Menino... a minha cotação subiu horrores... os carinhas ficam super-interessados! Peraí... só se...

- O que?

- ... meu próximo relacionamento aberto pode ser com Adriana. Imagine aí: eu sendo bi e tendo um relacionamento aberto... os caras vão fazer fila!!!

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Porto da Barra.

Brincar com Fred e Juliara. Nadar até um barco e ficar tomando sol. Dar um mergulho depois do verdadeiro encontro de trios. Conversar com Moacyr pela última vez. Encontrar a galera. Sentir-me afortunado em tardes ditas úteis. Observar as figuraças. Ver o por-do-sol. Olhar os céus de Van Gogh. Ficar até de noite. Namorar na água...

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Carta eletrônica 2.

Talvez a chave não seja gostar, e sim saber relacionar-se, ou compreender , ou ter muita empatia, ou ser capaz de perdoar, ou ter compaixão, ou cumplicidade, ou acomodar-se, ou resignar-se, ou tudo isto junto e sincronizado!

Namoramos, vemos filmes, comemos com prazer, rimos muito, estamos com amigos, viajamos, dançamos, passeamos, gostamos da companhia do outro. Conversamos sobre trabalhos, ou a respeito das vidas dos próximos, contamos como foram os dias, falamos dos sonhos. Dizemos não querer casar e não pretender parir tão cedo. Será que queremos brincar de casinha?

Certamente tememos terceiros na nossa estorinha. Queremos acertar, equilibrar tudo, e corresponder. Sabemos omitir, mentir, mistificar, seduzir e desprezar. Queremos ser amados. Queremos romance e estabilidade!

A nossa passagem é breve. Somos pequenos, mas a vaidade é enorme, assim como a necessidade de possuir. Há demasiadas convenções, regras e convicções. Esquecemos que “as nossas certezas são sempre provisórias”...

Às vezes me dá um desalento, eu quase desatino, quase tomo uma atitude drástica com pouco gelo. Fico estressado, acabo tendo atitudes frias, deixo de fazer sentido, tenho dores de cabeça e reescrevo cartas eletrônicas.

Então olho em volta, respiro fundo, tento me recuperar, apelo pra amnésia, assisto comédias, e vou levando...

domingo, 2 de setembro de 2007

Amor e Sexo.

"Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão. O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno - depende da quantidade ingerida. O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na 'doação'. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do 'outro'. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma 'mãozinha'. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não - é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. ‘O sexo é uma selva de epilépticos' (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói - quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: 'Faça amor, não faça a guerra'. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu - das cavernas do paraíso até as 'saunas relax for men'. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do século XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem - o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é programá-lo,como faz a indústria da sacanagem. O mercado programa nossas fantasias. Não há 'saunas relax' para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um 'amorzinho' para iniciar. O amor virou um estímulo para o sexo. O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa 'grandeza'. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há 'sexo seguro', mas não há camisinha para o amor. O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados. Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo sente-se na tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda - ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta."

(Arnaldo Jabor)

sábado, 1 de setembro de 2007

Dos botecos.

"Amigos proponho aqui uma reflexão e quem sabe um grande engajamento!

Que sou afeita a uma cerveja gelada num boteco anacrônico com os mais variados personagens a freqüentar um balcão, não é novidade. Que, além disso, ando penando para salvar minha verve de esquerda diante de tamanho esfacelamento de utopias, é mais que sabido. Certamente vocês, meus amigos, vivem dramas similares. O que até então eu não havia pensado, ou melhor, sistematizado era o quanto esse drama pode ser exasperado e digerido no melhor dos sítios, o boteco. Explico: não falo aqui daquelas conversas infindáveis que culminam em monólogos em grupo sobre formas de reagir a Bush e engolir Lula .... o insight é de outra ordem!

Falo de nossas pulverizadas formas de resistir à lógica do capital e suas crias! Claro já tentamos de tudo: DCE, sindicato, boicotes à Nike enfim ... partes que nos cabem neste latifúndio, ops... partes que nos cabem neste assentamento!! Mudemos o texto de Cabral... o de João e o do Álvares!!! Anos de resistência e sempre nos sentimos devedores à causa, pois catalogamos atitudes de efeitos minimalistas... Mas, eis que surge o insight... Lá estava eu vindo de um programa capitalista no último volume. Bairro: Leblon! Cruzei com o ícone do mundo fantasmagoricamente belo e sem antinomias: Manoel Carlos. O narrador do sonho burguês. Cruzei com ele no shopping do Leblon e lembrei o quanto ele fez um Photo shop no Rio de Janeiro em sua última novela....pensei: Leblon....é Leblon. Daí comecei a entrar no clima Photo shop social: vitrines, Livraria Travessa...cafés...puro Glamour. Pasmei ao olhar os fetiches do capital....ô maravilha (em tom baixinho)...Daí eu e minha amiga Nelma, também afeita aos botecos, sindicatos e ao glamour resolvemos voltar pra casa a pé, meio que intimando o acaso...E AÍ?

Surge então o Popeye!!! Não o marinheiro também ícone da referida lógica do capital e seus produtos para fortalecimento de músculos e egos! Mas o boteco Popeye! O último boteco da Visconde de Pirajá-Ipanema! Geograficamente comprimido entre lojas de griffe e restaurantes de culinária internacional, o Popeye se impunha monstruoso não obstante suas medidas! Uma esquina, ah! Uma esquina! Essas coisas que Brasília não tem (em todos os sentidos)!!!! E lá estavam personagens de todas as épocas e épicos...estrangeiros com português fluente, bêbados, esposas ciumentas, amigos do futebol e transeuntes, como nós, que não resistiram ao cenário ao céu aberto cuja musica executada variava da bossa nova à nona de Bethoveen! Nesta esquina músicos tocavam e se avolumavam....todos que, por obra do acaso, passavam ali com instrumento na mão permitiam-se acatar os sinais que a deriva que é a vida oferecia... e como se estivessem sido escolhidos por divindades, paravam e retiravam o instrumento da bolsa...a Big Band ia se formando....Eu testemunhei no Popeye, o bar de um portuga mau humorado (quase um pleonasmo isso), um churrasco coletivo em pleno vapor...entre notas dissonantes, um pratinho circulava... Pensem numa picanha macia??? Num chopp bom... e nos amigos de infância que rapidamente se formavam...pensem nas gentilezas dos senhores galanteadores, nos depoimentos de histórias de vida que jorravam depois de uma rápida apresentação...ali todos comiam junto o churrasco coletivo, todos toleravam a lerdeza do garçom que servia o chopp, o mau humor do portuga, a imundície do banheiro, os rodopios do mendigo que insistia em dançar como nos musicais da Broadway ( fazendo jus à Big Band)... O tempo não era o do “time is money”... havia ali naquela esquina de Ipanema um experiência de tempo que não a do capital, não a da rapidez dos produtos! O tempo da fabricação, da produção, uma das formas mais impositivas do capitalismo era simplesmente negligenciado! E ninguém levantava bandeiras para tanto! Rompido o imperativo do tempo...outros ícones do massacre selvagem do capitalismo sucumbiam. Ninguém quis saber dos proventos alheios, dos contra-cheques, das posses e declarações de imposto. Todos estavam no mesmo patamar social...todos, exceto o mendigo dançarino que incomodava mais pela sua ânsia de roubar todo o palco (o passeio) do que pelos trapos que eram suas vestimentas. Afinal, todos estavam com poucas vestimentas...das concretas que tampam o corpo às simbólicas que mascaram a “persona”...como diz Sartre, todos estavam: “nus como minhocas”!! E o diálogo era fluido, às vezes trôpego dada certa embolação na língua... e os amigos se formavam sem carta de procedência...o espaço não tinha a propriedade consolidada....todos em pé, circulavam de roda em roda de conversa, despreocupados sobre quem seria caça e quem seria caçador na segunda-feira. Quem ocuparia este ou aquele endereço comercial no dia seguinte. Estas questões não cabem num boteco.. Muito menos num do tipo Popeye, cujo banquete circulava coletivamente de mão em mão. Ali a loucura não era medicalizada, os tipos não eram diagnosticados, os estratos sociais demarcados! Ora, mas não era essa ruptura que sonhávamos??? Um tempo que não o da produção em série, um convívio com o diferente que não o da classificação sócio-psiquiátrica? Uma música que não o “jabá”? Uma rua que não sirva exclusivamente para perpetuar o comércio da indiferença? Uma comida que sirva a todos?

Os discursos que nos penetram e encarceram ali não recebiam tributo. Senti-me numa revolucionária experiência de ruptura em relação às amarras do capitalismo. Lúdica ruptura, mas efetiva. No coração do glamour de Ipanema um nicho de resistência sem bandeiras em punho, com copos na mão, versos na cabeça e muita disposição. O último boteco, BOTECO, no seio do comércio de elite. E digo BOTECO com maiúscula, pois estamos cansados de ver por aí “produtos-boteco” ou botecos de decoradores (mais um serviço vendável) que reproduzem o ambiente físico, mas não o vivencial! Montam os garçons com modelitos a “la boteco”, mesas e pisos seguindo o figurino, esquecendo que o boteco é o lugar da des-configuração! Da ruptura. E estes que não são lançamento do último verão, estão exíguos... agonizantes. As vivências que ali se engendram, se agenciam, estão minguando e os verdadeiros boêmios – expatriados – obrigados a beber em “delicatessem” ou a fenecer em casa...

Há muito eu já não ia à porta de fábrica, fiz isso na graduação.
Há muito não panfleto, fiz isso há um tempão.
Há muito eu não acredito nas assembléias sindicais, apesar de fazer isso até hoje.
Mas, há muito vou a botecos...dos copos sujos, de corpos não assépticos...palco de narrativas tortuosas, de desejos pouco nobres, mas de solidariedades raras, de lógicas insurgentes ou para-consistentes....contudo, só agora, depois do Popeye compreendi o magnetismo que este canto sempre exerceu sobre mim...Ali, entre um copo e outro...um texto e outro, estagnamos o trator que tece homogenias temporais, culturais, vivenciais!!!! Nós, simples freqüentadores cheios de filosofias e teses esdrúxulas proferidas na mesa às vezes professoralmente, às vezes de modo ininteligível....Nós que ouvimos e desfiamos queixumes de todas as ordens entre um salame e um ovo rosado... Nós que amamos determinado garçom como a nossos professores da infância... Nós que nos entregamos à deriva ao boteco, sem anunciar ou até mesmo intuir, estamos quebrando imperativos dos mais virulentos... criando outros tempos, outros espaços, outros modos de elos humanos. Tomando esse aguardente que nunca sacia, fazemos revolução molecular...num âmbito que os marxistas de plantão nunca entenderiam!!!!!

Um brinde aos agenciamentos transgressores do Boteco!! Às esquinas, aos garçons, aos meninos, às meninas! E que o mau humor dos “portugas” nunca seja vítima da fluoxetina, a lerdeza dos garçons do treinamento empresarial, a imundície do banheiro da vigilância sanitária! Para que possamos continuar a tomar importantes decisões de nossas vidas neste templo de rupturas!

Ao engajamento etílico, companheiros!"

(Caroline Vasconcelos)