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terça-feira, 30 de outubro de 2007

Voei !




Domingo fez um dia lindo. Meu caro amigo Guto resolveu dar uma de cicerone, então me levou pra passear de carro pela floresta da Tijuca, enquanto o lobo nao vinha.

Paramos na Vista Chinesa, depois na Mesa do Imperador, etc. Quando passamos pela subida da Pedra Bonita, eu disse que queria voar. Era uma vontade antiga, esquecida durante muito tempo.

Decidimos ir até a rampa ver se a minha coragem permitiria que eu voasse. Chegamos ao local onde há um controle de acesso à rampa (praticamente só sobe quem vai voar). Coincidentemente um instrutor de asa delta ia subir, e perguntou se nós queriamos voar. Eu disse que sim, então subimos com ele.

Ficamos por la vendo as decolagens, conversando com algumas pessoas, ouvindo propostas e incentivos, vendo criancas voando, e nada de a minha coragem chegar. O instrutor me deu um prazo pra eu decidir se voaria ou não, pois ele faria um vôo duplo dentro de minutos, e só subiria novamente se eu fosse voar com ele.



OBSERVAÇÃO: Com Internet Explorer 7 tive que "apertar o PLAY" duas vezes pra iniciar um video. Não me pergunte o motivo.






O fato de haver uma imagem de São Conrado la em cima nao me tranquilizou, até pelo contrario. O que me ajudou foi saber da reputação do instrutor. O cara voa há 22 anos, são mais de 10.000 vôos, a maioria deles ali. Somente naquele dia ele havia feito 5 ou 6 vôos duplos.

Cogitei voar de parapente. Sempre tive simpatia pelo equipamento, mais fácil de transportar, decolagens aparentemente mais fáceis, uma posição mais "natural" durante o vôo, etc. Tentava determinar qual dos equipamentos é menos inseguro, asa delta ou parapente. Até o momento não tenho esta resposta, mas estou inclinado a pensar que a asa delta é menos insegura.

O horário-limite pra minha decisão chegou e eu pedi pra avisar ao instrutor que eu não voaria. Fiquei insatisfeito comigo mesmo, e continuei por lá: mais decolagens, 2 cervejas, 1 croquete de carne, mais conversas, e então a coragem chegou! E agora? Coragem sim, instrutor não. Eu puto comigo mesmo.

De repente, o instrutor apareceu!

Eu: "- Quero voar".

Ele: "- Infelizmente não vai ser possível, eu já atingi a minha quantidade-limite de vôos de hoje".

Não acreditei! Pensei que não teria outra oportunidade tão cedo. Eu voltaria pra Salvador no dia seguinte. Quando iria ao Rio novamente? Naquele momento eu pensava que na segunda-feira não haveria vôos duplos. Fomos embora, eu "de mal" comigo mesmo.

No dia seguinte acordei e comecei a pensar em como preencheria o meu último dia no Rio. Liguei pro instrutor, meio no espírito de "não custa nada tentar". O cara disse que daria pra fazer o vôo! Peguei um táxi, encontrei com o cara na área de pouso, subimos.

Na decolagem senti um pouco de medo, depois foi so alegria! Paisagem, vento, adrenalina, velocidade, tráfego, conversa. O vôo durou pouco, mas valeu!

Foi uma experiencia ótima! Voarei novamente.

Se voce tiver interesse em voar da Pedra Bonita, deixe o seu e-mail aqui, num comentário.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Campanha em outdoor.



Estes outdoors serao vistos em Salvador e Lauro de Freitas nos próximos dias. Antes mesmo de ser veiculada, a campanha ja provocou polêmica.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Papel concreto

Peter Callesen, um artista que que trabalha papel branco, articulando a bidimensionalidade da folha e a tridimensionalidade da escultura. Só vendo para crer...
Clique aqui.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Chema Madoz no Pelourinho.

Olha a coincidência: Chema Madoz está em exposição no Pelourinho!

Antes do post de Guto, eu nunca tinha ouvido falar no tal fotógrafo. Terça passada fui no Pelourinho e dei de cara com um banner da exposição. Infelizmente a galeria estava fechada.

Eu nunca fico sabendo dessas coisas, e mesmo quando sei raramente vou, mas dei uma pesquisada há pouco e descobri que a o cara fez uma palestra aqui no dia 24 de setembro!

A exposição "Poética" está na Galeria Solar Ferrão - Rua Gregório de Mattos, 45, Pelourinho - até o próximo Domingo,
21 de outubro. A visitação é de terça a sexta, das 10h00 às 18h00, e sábados e domingos, das 13h00 às 17h00. A promoção é do Instituto Cervantes de Salvador e Ministério de Cultura da Espanha, com apoio da Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Sartre e a química

As ciências exatas, especialmente a física ou a química mais avançada, nunca foram muito prestigiadas como fonte de compreensão e de metáforas na filosofia ou nas ciências humanas. Obviamente, a sua aridez matemática e excessiva abstração dificultam a sua popularidade. Talvez somente a física quântica e a teoria da relatividade geral tenha estimulado a imaginação dos não especialistas, e se tornado mais populares (“Tao da Física”, anyone?), mas não mais compreensíveis, já que constata-se que mais de 100 anos depois do estabelecimento de seus postulados, elas ainda são vastamente incompreendidas e mal interpretadas, seja por filósofos, seja por psicólogos ou outros pensadores menos cotados. Mas Sartre tem uma frase maravilhosamente cheia de significados e de sabedoria que finalmente redime - no caso, a química - de suas interpretações errôneas e das bobagens ditas em seu nome. Uma frase que emprega um fato conhecido de todos nós desde a época de colégio e cria uma metáfora rica e complexa, daquelas clássicas mesmo, pois toca no fundo de qualquer inquietude filosófica, e permite aprofundar a reflexão sobre nosso destino e o sentido (ou falta) de nossa vida.

“Uma vida é feita do futuro como os corpos são feitos de vazio”.

(E no original, caso o leitor mais sofisticado desconfie de minha tradução: “Une vie, c’est fait avec l’avenir comme les corps sont fait avec du vide”).

Entender que a vida é feita de futuro não é difícil, já que pertence ao senso comum a idéia de que uma pessoa sem planos ou perspectivas definha e se esvazia de vida. Mas corpos feitos de vazio? Expliquemos: o diâmetro de um átomo (mais rigorosamente, de sua eletrosfera) é de 10 mil a 100 mil vezes maior que o diâmetro do seu núcleo. Ora, praticamente toda a massa de um átomo está em seu núcleo, já que a massa de um próton é cerca de 1.800 vezes a massa de um elétron. Ou seja, para todos os efeitos práticos e científicos, o átomo é oco, vazio. E como tudo que constitui os corpos, sejam humanos ou animais, vegetais ou inanimados, é feito de átomos, tudo o que sentimos, percebemos, tocamos e sabemos que existe é feito de vazio, inclusive e principalmente nós mesmos. E a comparação disto com nossa vida e nosso futuro? Deixo para a reflexão de quem lê estas linhas.

Proverbs

Someone who thinks logically provides a nice contrast to the real world.

Ladrão pobre.

Este é "Tatu", um ladrão que costuma agir no Rio Vermelho, inclusive nas "sinaleiras".

Memorize este rosto, trave as portas, feche os vidros, fique atento(a), e vote bem em futuras oportunidades.


quinta-feira, 11 de outubro de 2007

A danada da cachaça.


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Normalmente não misturo (grupos de) bebidas. Vinho no jantar, cervejas depois. Se a jornada não apontar pras fermentadas, tomo whisky; se este faltar ou parecer falsificado, bebo umas roskas, meio contrariado. Ou então fico na água tônica. Nada de coquetéis, bebidas doces, sombrinhas, cores bonitas, etc. Infelizmente tenho dificuldade de beber outra coisa que não cerveja a esta temperatura e umidade, principalmente durante o dia. A honrosa exceção é o mojito, mas tendo me acostumado aos mojitos preparados por Lazaro, um fantástico barman cubano, raramente fico satisfeito com os que bebo por aqui.

Champanhe (não encha meu saco!) só no natal e no reveillon, quando não consigo escapar. A minha implicância começou há anos, quando fui a um coquetel com uma pretendente. Ela estava achando que champanhe era água, e eu estava achando ótimo. Quando saímos do local, rindo e brincando, rolaram os primeiros beijos, e eu senti que a noite prometia. No carro, mais beijos, uns amassos, e negociação a respeito do nosso destino. Satisfeito com o resultado das conversações, parti rumo à terra prometida. Não tinhamos rodado nem 1 km quando ela pediu que eu parasse o carro. Encostei, ela colocou a cabeça pra fora da janela, e fez exatamente o que você está pensando. Forneci uns lenços de papel, dei apoio moral, aceitei os pedidos de desculpa, disse que aquelas coisas aconteciam, que ela não devia se envergonhar, que todos já havíamos passado por uma situação como aquela pelo menos uma vez na vida, blablabla, e deixei-a em casa. No dia seguinte as coisas correram bem melhor, mas ainda não encontrei motivos pra fazer as pazes com aquela pretensiosa e perniciosa bebida.

Raramente bebo em casa, e quase nunca bebo sozinho. Pra mim a bebida é um elemento de socialização, e não sou afeito a reuniões caseiras. Gosto de encontrar as pessoas em bares. Gosto muito dos freqüentadores de certos bares.

Tenho amigos que não freqüentam os tais bares de que gosto, portanto vou com eles a outros bares. O grupo é formado por, digamos, "pessoas que apreciam o consumo de bebidas alcoolicas". Segundo a Organização Mundial de Saúde, a maioria de nós não sofre de alcoolismo. Esta sociedade considera que bebemos "socialmente", logo somos extremamente sociáveis. Organizamos eventos pra beber.

"Cerveja: ajudando as pessoas feias a fazer sexo desde 1549". O ano varia, aqui a escolha não foi aleatória, a cerveja não é a única bebida, e todos nós precisamos de uma ajudinha aqui ou ali, por diversas razões. Segundo a psicóloga e professora norte-americana Pamela Regan, "Tanto o álcool como as drogas estimulam um comportamento menos conservador em relação ao sexo. Muitas pessoas bebem ou usam drogas porque encontram nesses dois instrumentos uma ótima desculpa para sua conduta”.

E aquele fatídico gole que nos leva da euforia à embriaguez? Bom seria não tomá-lo, e às vezes me aborrece constatar que não fui capaz de parar de beber quando deveria, num longínquo momento da madrugada.

As minhas ressacas manifestam-se como combinações dos seguintes sintomas: sede, fotofobia, poucas frases, intolerancia a certos alimentos, pouca disposição pra pessoas, complicações do aparelho digestivo e dores de cabeça. Combato-as com iced tea, cortinas cerradas, celular desligado, frutas, porta trancada, Floratil e paracetamol. Aconteceu recentemente.

Em Portugal diz-se “se conduzir não beba”. Também neste caso a minha lógica pede diferente, fico com “se beber não dirija”. Seja como for, a questão é importante e séria. Ainda dirijo depois de beber, apesar de saber que não deveria. Tenho evitado, mas as alternativas são caras ou desinteressantes. Houve ocasiões em que deixei o carro onde estava, ou pedi a alguém pra dirigir, ou dormi durante umas horinhas antes de pegar no volante, ou combinei previamente de dormir perto da festa, ou simplesmente não fui pro evento. Mas já aconteceu de eu voltar pra casa dirigindo e no dia seguinte não lembrar do percurso. O incrível “piloto automático”!

Preciso arranjar um(a) parceiro(a) de farras que seja abstêmio(a) e dirija bem. Não é fácil.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Misantropo, eu?

"Sabe, não é que eu seja quase um eremita, mas é que eu gosto do ser humano no atacado, e não no varejo".

Surrealismo em fotos

Fotos autenticamente surrealistas de Chema Madoz, um fotógrafo madrilenho. É o tipo de experiência estética que depois você nunca mais vai ver um palito de fósforo do mesmo jeito...

http://www.chemamadoz.com/gallery1.htm?

Fotos de Salvador.

Fotos de Salvador, por diversos fotógrafos. Em http://www.flickr.com/groups/salvador-ba/pool/ .

domingo, 7 de outubro de 2007

Da modéstia

Nunca pude compreender como a modéstia é considerada uma virtude, especialmente quando falamos em qualidades pessoais como inteligência, cultura ou sofisticação. Esconder nossos méritos para quê? Nietzsche diria que esta é uma falsa virtude, mais uma patifaria do cristianismo, esta religião de escravos que condena tudo que estimula a vontade e a força da vida, e que acha que a felicidade só existe depois da morte (tem um diálogo delicioso em "Ensaio de um crime" de Buñuel em que um homem pergunta a uma freira se ela acha que só será feliz no céu, e diante da resposta afirmativa, se oferece para matá-la. Engraçado que ela não aceita a oferta...). Diante das outras virtudes cristãs, esta sem dúvida é a mais desrespeitada, já que passamos o tempo todo exagerando nossas qualidades, mas sempre de maneira discreta, é claro, para não parecermos imodestos. Bem, depois de muitos anos de inquietude, finalmente descobri a resposta da pergunta "esconder nossos méritos para quê?"; e veja você, em um livro de filosofia. Aí vai:

"O que é, com efeito, a modéstia, senão uma fingida humildade, pela qual, no seio deste mundo infectado pela mais detestável inveja, se pedem desculpas pelas vantagens e pelos méritos a pessoas que são desprovidas de ambos? Porque, aquele que não se atribui nem vantagens nem méritos, pela simples razão de que efetivamente não os possui, esse não é de modo nenhum modesto, é só honesto".

Arthur Schopenhauer

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O que aprendi para deixar de apanhar.


O único rio de Irará chama-se rio Seco. Ele só corre um pouquinho quando tem uma grande chuva. Depois pára. Mas nós todos aprendíamos, com uma dança dramática chamada Chegança, tudo quanto é termo da arte de navegar. Madeirames, mastros, quadrantes e sextantes. Aprendíamos também que tínhamos de expulsar os árabes. Nunca soubemos expulsar árabes, porque nem sabíamos o que era isso.

Em Irará aprendia-se também a tabuada. A tabuada era mais misteriosa do que aqueles navios que não tínhamos onde atracar, mais enigmática do que os infiéis que precisávamos expulsar. Era uma experiência dolorida. Oito vezes sete, 56. Eu me perguntava: "Quem pode, de sã consciência, provar que oito vezes sete é 56?" Oito vezes cinco, 40, oito vezes seis, 48. Um dia, me perguntei, com medo da resposta, quanto era dez vezes dez. Dizia para mim mesmo: "Ai, minha Nossa Senhora, aí vai ser um inferno completo". Quando a professora respondeu "cem", tive um grande prazer. Pensei: Deus está bem intencionado com a humanidade, Deus está olhando pelos seus filhos, pelas suas criaturas.

Para mim, a grande criatura era o alfabeto. A mãe até ensinava, desavisada, antes que entrássemos na escola, que "b" e "a" davam "ba", "b" e "e", "bé", "b" e "i", "bi". Mas, e para entender o que era isso? Quando janeiro chegou, e comecei na escola, com meus oito anos recentes, a professora mandou ler em silêncio, e eu nunca pensei que aqueles sinais podiam transmitir coisas tão exatas como aquele texto. O texto dizia que um aluno, colega nosso, tava com um problema em casa, e então pedia licença à professora para ir para casa. Nossa Senhora, era um verdadeiro assombro! Olhei para o lado, sem acreditar que todo mundo estava vendo o aluno pedir à professora para ir pra casa, se levantar, fazer esse gesto que movimenta milhões de músculos. Eu desconfiava que aquilo, aqueles sinais, não eram capazes de transmitir a todo mundo igual ao que eu estava entendendo.

Aprendi a falar com três anos. Todos aprendiam a falar com três anos. Eu ficava deitado no berço, e ninguém ia lá me incomodar. Durante a meninice toda, era todo o tempo possível para a contemplação do infinito. Passei quatro dias pensando no alfabeto. Será que todo mundo de Irará entendia aquele negócio com a exatidão que eu entendi?

E o raciocínio? Estela, minha irmã, ganhou um velocípede. Ela tinha quatro anos. Eu tinha sete. Naquela noite, passei todo o escuro planejando como eu ia ensinar Estela, de manhã, que o pé de cima empurra o pedal até a hora que chega no fundo, e que, quando chega no fundo, é o outro pé que começa a empurrar, e esse primeiro perde a força. Passei a noite toda na procura das palavras certas. Quando foi de manhã, Estela sentou no banquinho. Eu, a maior autoridade, o mais velho dos irmãos, comecei a dar a Estela as instruções. Estela não tinha o menor contato com essas coisas explicadas. Depois de um tempo foi um "Ah, isso não vale nada...", e saíram empurrando desembestados o velocípede "pa, pa, pa, pa...". Ela aprendeu mesmo. E eu fiquei decepcionado, fracassado, derrotado, porque eu tinha empenhado muito trabalho nisso.

Um dia, ganhei uma espingarda. Um tio que veio do Rio foi quem trouxe. Ela atirava rolhas. Tive uma coisa, que hoje só posso chamar de febre, porque fiz um cálculo que, se eu desmontasse a espingarda, ficaria com tantos pequenos materiais, e tão especificamente destinados a uma função, que, juntando com o que eu achava na rua, com as coisas que eu via de outros aparelhos de casa, ia ter uma verdadeira fornalha de Vulcano. Ao mesmo tempo, tinha medo que, uma vez destruída a espingarda, eu ficaria sem espingarda nem nada. Em mim vivia o sonho, a fantasia do criador, mas também a lógica do homem com alguma experiência, aos sete anos de idade.

Mais prazer tive ao aprender a amarrar o sapato. Amarrar sapato é uma coisa complicada, mas você pode se aproximar dela lentamente. Uma hora você vê o laço dado, outra hora alguém lhe dá uma primeira lição, ou seja, a primeira dobra do laço. Noutro dia você é capaz de pensar na segunda lição. A vantagem é que você sempre pode ver o sapato amarrado por alguém, para você comparar. E foi aprendendo essas coisinhas que percebi que o ato de pensar seria uma maneira de eu me mover dentro do mundo. Um sextante.

A grande prova disso tive pouco tempo depois com a ajuda do futebol, da garoa, de Carlito e de minha asma. Quando era pequeno, minha mãe pensava que a asma daria em tuberculose, que matou (naturalmente que de pobreza e de fome) a maior parte dos parentes de meu pai. Chuva, chuvisco, jogar bola, ar livre, sol - tudo era perigoso para mim. Eu estava jogando bola e, por uma janela do fundo da minha casa, a minha mãe via uma parte do campo, e eu ouvi ela gritar "Antonio José!". Pensei: "Hoje eu tô fodido". Aí veio a inspiração. "Quem é que parece mais comigo?" Ah sim, Carlito, filho de seu Albertino. Chamei ele, mandei que tirasse a blusa e botasse uma boina, como aquelas que o Heleno de Freitas e eu usávamos, nos anos 40. Pedi que Carlito passasse na frente da porta de casa, várias vezes. Carlito fez a coisa tão bem feita que, na hora que eu entrei em casa, minha mãe me disse:

"Nossa Senhora, Antonio José. Que bom que você está aqui. Já tinha pego a palmatória e o cinturão para lhe dar uma surra, pensando que você era o menino que estava jogando bola, e, quando o menino passou aqui, vi que não era você". Ah, a glória! Subiu aquele calorão dos meus pés. Não por não tomar a surra, mas por aprender que o raciocínio podia me salvar. A convicção de que isso era possível, que eu poderia enfrentar agora todos os meus inimigos, todas as proibições.

Na infância também aprendi outras felicidades que me acompanhariam. Quando a Segunda Guerra começou, em 1939, eu tinha três anos. Todos nós, em Irará, tínhamos três medos: Deus e o inferno, medo de Lampião e seus cangaceiros e, por fim, um medo terrível dos alemães, da guerra e de palavras como "Berlim". Até hoje não me lembro de uma emoção tão larga e ampla como a de uma manhã, a de 8 de maio de 1945, quando o professor Arthur, que me daria muitas outras felicidades, disse a todos nós a seguinte frase: "Desde a zero hora, no meridiano de Greenwich, que não se dá um tiro sequer na frente de batalha. Rendição incondicional do fascismo". Ele dizendo isso, e eu arrepiado. Esse aprendizado acabou sendo muito importante.

Meu livro de aprendizagens só ganharia capítulos mais gordos anos depois, quando conheci Hans-Joachim Koellreutter. Aprender música com ele e seus colegas era como descobrir como desarmar, ou não, aquela espingarda. Aprender harmonia era tão interessante quanto ensinar minha irmã a pedalar um velocípede. E aprender serialismo e dodecafonismo era tão interessante quanto descobrir que eu podia vestir um rapaz com minha boina e deixar de apanhar. Aprender, eu mesmo aprendi, é em grande parte deixar de apanhar.

(Tom Zé)

Intransitividade.

Os amigos dos meus amigos não são meus amigos.

Escolho meus amigos. Na maioria dos casos escolhi-os há tanto tempo que nem lembro como. Sei de que forma continuo a escolhê-los a cada contato, sei quais as suas características, sei o que esperar deles, conheço bem a nossa solução de convivência, estou pronto a apoiá-los, sinto-me à vontade pra dizer qualquer coisa, sou propenso a perdoá-los, conto com o seu apoio.

Os amigos dos meus amigos chegam-me com uma carta de recomendação invisível, uma carta que diz algo do tipo "o portador é gente boa". Estas pessoas não são candidatas à minha amizade. Normalmente não me candidato a novas amizades.

Mesmo existindo a tal carta de recomendação, o processo seletivo ocorre. Se o amigo do amigo agrada, sinto-me feliz por ter havido uma recomendação, e sou levado a pensar que o novato pode tornar-se um amigo. Se não gosto do cara, fico constrangido, deixo de dizer, deixo de fazer, sorrio amarelo, compactuo com atitudes imbecis, etc. É uma merda!

Por favor poupe os seus amigos daqueles seus outros amigos.