O Brasileiro já gosta de ser retratado, como coletividade, na frase atribuída erradamente ao General de Gaulle no tragicômico episódio da chamada Guerra da Lagosta:
- "O Brasil não é um país sério!"
Ele entende que isso registra e consagra, no plano internacional, a sua filosofia de vida de gozação universal e seu gosto imoderado pelo carnaval que, se dependesse dele, durava o ano inteiro.
Nosso representante em Paris nos anos sessenta, o embaixador Carlos Alves de Souza em suas Memórias esclarece os fatos atribuindo a frase a si próprio, em um momento de justificado mau humor contra a burocracia do Itamarati, e não ao presidente francês.
Mas como ocorre com a maioria das frases históricas, as quais pegam mais pela versão do que pela verdade, o dito ficou e pronto, ninguém o tira mais.
Também Luís XIV nunca disse "O Estado sou eu!" mas fez, o que é pior que dizer. De Gaulle idem: não deu maior confiança ao caso das lagostas da costa brasileira do que ele merecia e ficou com a fama da frase. Pois seja.
Assim se escreve a história, onde também o bom bocado não é para quem faz, mas para quem o come.
O húngaro Peter Kellemen, naturalizado brasileiro, autor menos sério e bem menos citado que o General de Gaulle, produziu por seu turno, lá pela década de sessenta, um livro despretensioso mas bastante lúcido e bem humorado sobre sua pátria adotiva. Intitula-se "Brasil para Principiantes". Naquele depoimento pessoal em tom jocoso, no último capítulo ele como que sintetiza seu julgamento sobre seu próprio país:
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Quando eu estudava o português surpreendi-me ao constatar que Alemanha, Inglaterra, Rússia eram substantivos "femininos", mas o Brasil era "masculino". Nada mais errado. Se existe no mundo um país com IT, com personalidade, com "sex-appeal", este é o Brasil.
Não deveria ser masculino. O caráter desse país (se é que uma nação pode ter caráter) é igual ao de certa criatura que todos nós já tivemos na vida, alguém cheio de contrastes, beleza, sinceridade, um pouco de infantilidade, mistério, insubmisso, de personalidade marcante. Não tente modificá-lo. É impossível e mesmo desnecessário. Ao contrário, aprenda a gostar de seus contrastes e assim você será mais sábio e muito mais feliz.
"
O livro todo é nesse tom de dizer verdades sorrindo. Para seu autor, o Brasil é um país feminino por ser imprevisível e faceiro como mulher bonita.
É o modo dele sentir a macunaimice nacional por intuição, sem antes mesmo de haver lido a rapsódia de Mário de Andrade.
É dessa última obra que colho, à guisa de ilustração para Peter Kellemen, a seguinte vinheta extraída do capítulo X I, A Velha Ceiuci.
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Todos perguntaram para ele:
- O que foi mesmo que você caçou, herói.
- Dois viados mateiros.
Então os criados as cunhãs estudantes empregados-públicos, todos esses vizinhos principiaram rindo dele. Macunaíma sempre aparando o bocal da flautinha. A patroa cruzando os ralhou assim: - Mas, meus cuidados, pra que você fala que foram dois viados e em vez foram dois ratos chamuscados! Macunaíma parou assim os olhos nela e secundou:
- Eu menti.
Todos os vizinhos ficaram com cara de André e cada um foi saindo na maciota. E André era um vizinho que andava sempre . encalistrado. Maanape e Jiguê se olharam, com inveja da inteligência do mano Maanape ainda falou para ele:
- Mas pra que você mentiu, herói?
- Não foi por querer não... Quis contar o que tinha sucedido pra gente e quando reparei estava mentindo...
"
Pois é isso aí, O Mário de Andrade nesse lance disse muito. Intuiu sem analisar, viu sem explicar o comportamento do brasileiro médio.
(SOUZA, Remy de. O Complexo de Macunaíma: Elevações sobre o Mau-Caratismo Nacional". Editora CEPA, 1988)
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