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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cemiterada

Foi no século 4 que surgiu o costume de se enterrar as pessoas nas igrejas ou em volta delas. Os historiadores nos dizem que essa prática coincidiu com o fortalecimento do cristianismo, cuja mensagem religiosa incutiu nos católicos não só a aceitação do pensamento de que a alma precisava ser salva do inferno, mas também a de que determinados procedimentos poderiam atenuar os pecados cometidos pelos fiéis, assegurando-lhes a felicidade eterna.

Por isso mesmo, ao longo de sua existência, os homens e mulheres daquela época se preparavam para a morte não só observando criteriosamente determinados preceitos, mas também fazendo parte de alguma agremiação religiosa, como irmandades, confrarias ou ordens terceiras, que eram as maiores responsáveis pela organização dos enterros, porque o conhecimento de que seus despojos permaneceriam junto a um local sagrado, no caso a igreja, lhes trazia a certeza de que seus espíritos se manteriam sempre próximos a Deus. Essa cultura fúnebre chegou ao Brasil com os portugueses, e prevaleceu absoluta até início do século 19.

Em 1801, o então Príncipe Regente de Portugal, D. João, determinou através de Ordem Régia que os cemitérios fossem construídos em terrenos fora das áreas urbanas, mas essa imposição não foi obedecida nem na metrópole, nem na colônia. Por sinal, esse mesmo procedimento visando o afastamento dos mortos para longe das cidades, já vinha sendo tentado na Europa desde final do século 17, mas sem resultado positivo. Vinte e sete anos depois, em 1º de outubro de 1828, o Governo Imperial brasileiro decidiu aplicar no país a determinação da regência portuguesa, delegando às câmaras municipais o poder de construir e administrar cemitérios públicos, e também o de escolher as áreas exclusivamente reservadas ao sepultamento dos mortos, independentemente da jurisdição das igrejas. E a primeira a fazê-lo foi a de Salvador, na Bahia, que através de lei municipal concedeu o monopólio dos enterros a uma companhia particular.

A população, no entanto, revoltou-se com essa decisão, pois entendeu que a aplicação da medida, além de contrariar sua crença e interesses pessoais, também beneficiaria os empresários em prejuízo das agremiações religiosas, provocando-lhes a ruína. Então, segundo os registros, no dia 25 de outubro uma multidão formada “por mais de mil pessoas”, saiu em passeata do centro da cidade em direção ao campo santo, levando consigo “machados, alavancas e outros ferros”. Eles eram adeptos das irmandades religiosas e simpatizantes de sua causa, que aos gritos de “morra o cemitério” se deixaram dominar por fúria incontrolada e assim derrubaram a maior parte do muro dianteiro do cemitério recém-inaugurado, demoliram quase toda a capela ali construída, e destruíram tudo mais que encontraram pela frente.

A ocorrência de Salvador repercutiu intensamente em outras províncias, principalmente nas do Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, onde movimentos semelhantes, porém de menor intensidade, também foram registrados. O resultado do inconformismo popular foi que a reforma cemiterial decretada pelo imperador acabou perdendo o impulso inicial, desacelerou-se, até cair no esquecimento das autoridades, por um longo tempo.

Mas como o sepultamento dos mortos sempre figurou entre as atribuições das Santas Casas, por se tratar de uma das 14 obras de misericórdia, a Santa Casa da Misericórdia de Salvador, adquiriu o Campo Santo em 1840, dando início, no ano seguinte, às obras de reconstrução. Anteriormente, essa instituição destinara à inumação o espaço onde hoje se situa a sua sede, na rua da Misericórdia, mas fazendo sepultamentos também “em outro pequeno cemitério situado no Campo da Pólvora, para onde iam os corpos dos escravos, mortos no hospital e pessoas carentes” .

Segundo registros da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, fundada em 1549, “devido à carência de recursos, foi somente em 1870 que se iniciou a construção da atual capela, projetada pelo arquiteto Carlos Croezy. Erguida em estilo gótico, e inaugurada em 6 de junho de 1874, a capela constitui-se no ponto de destaque do acervo arquitetônico do Campo Santo”.


FERNANDO KITZINGER DANNEMANN

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