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quarta-feira, 26 de março de 2008

Jesus morrendo e você bebendo e comendo



Rebocado; piripicado! Vocês estão mesmo merecendo apanhar de Jesus Cristo com aquele chicote que ele bateu nos vendilhões do templo, lá pelas bandas de Jerusalém. O homem morrendo, e todo ano ele volta a morrer na cruz para redenção dos seus pecados, tem pés e mãos pregados com martelo batendo firme, bebe vinagre em esponja suja que ninguém sabe onde o legionário romano tinha passado antes e nem quero imaginar, ouve dichote do mau ladrão e ainda o porre de um pedido feito de última hora pelo bom ladrão, que teve o tempo todo para se arrepender e só se arrependeu na hora que viu que a situação estava preta; mesma coisa de ladrão de hoje em dia que rouba, mata e estrincha, mas chora que nem cachorro pequeno quando a polícia lasca o couro.
Todo ano é assim, pegam o pobre do Cristo, de novo, depois de tantos séculos de sofrimento e voltam a enfiar na testa aquela tiara de espinho, que pelo tamanho parece de laranjeira, do tipo que servia para minha avó furar bolhas purulentas de catapora, molhando na cânfora com álcool. Tudo isso acontecendo de novo, de forma virtual, claro, pois Jesus não é maluco de todo ano se submeter a tais despautérios, com, sua carne e ossos, já bastando para isso os malucos de Vitória da Conquista, Juazeiro, Uauá e outros pontos de encontros destes doidos que passam o ano fornicando, fumando, cheirando, bebendo, ganhando Bolsa Família e cometendo todos os atos impuros e quando chega na madrugada da Sexta-feira da Paixão pegam uns silícios, umas giletes cegas, uns pedaços de aço, amarram num pedaço de couro e se autoflagelam, batendo no lombo e pedindo perdão dos pecados. Basta Cristo perdoar que o cara-de-pau do penitente vai logo tomar uma cachacinha no armazém da praça, que é para esquecer e cicatrizar rapidamente os cortes no lombo. Ele então volta a acumular milhas de pecado, esperando que Jesus caia no cacete de novo, ano que vem, que é para liberar geral e assim segue a vida.
Enquanto Jesus "agonizava", lembro que virtualmente falando, eu vi nos restaurantes e nas casas diversas, inclusive lá em casa, com estes olhos que a terra haverá de comer, não agora, mas daqui a uns 80 anos, o povo se fartando em dendê, peixe frito, peixe de escabeche, peixe ao molho-de-camarão, peixe amoquecado, ensopado de peixe, ensopado de camarão, camarão ao alho e óleo, feijão de leite, feijão fradinho, feijão preto, vatapá, caruru, frigideira de repolho, frigideira de bacalhau, bacalhau assado, bacalhau ao bafo, bacalhau a Gomes de Sá, moqueca de arraia, vermelho, caçonete, agulhinha, sororoca, tainha e robalo, ou de dourado, surubim, crumatá e outros para não deixar de fora os de água doce, sem falar no polvo ao vinagrete, moqueca de polvo, siri, papa-fumo, ostra e ate lagosta, mesmo em pleno defeso.
Lembro de sextas-feiras santas, onde ninguém podia dar um pio, e isso ainda era nos anos 1970. Quem quiser que corresse, soltasse um pum, um assobio, falasse alto, ligasse o som do rádio - que só tocava música clássica; levantasse o pano roxo de cetim que recobria os santos, que desse um arroto, tirasse meleca, cantasse ou risse. Lá em casa meu avô, de longe, mandava a chinela de couro curtido adquirida na Feira de Água de Meninos, que batia certinho no lado do fígado, ou rim, nunca sei onde eles ficam mesmo, e a vítima sofria igual a Jesus recebendo chibatada, no bom sentido que Jesus é espada.
Pois é assim. O homem morrendo todo ano, já por quase dois mil anos, e todo mundo comendo a se fartar, bebendo nos postos de gasolina das estradas onde deveria ser proibido e pior de tudo: fazendo ousadia. Fazer ousadia eu não sei. Mas, pelo volume de vinho que fui obrigado pelos amigos de mesas fartas a beber, e a variedade de comida que me obrigaram a comer, se eu fosse adepto de religião, provavelmente à esta altura estaria indo para o fogo do inferno, sem escala. Acho até que merecido. Tão merecido que a única coisa que eu ia pedir àqueles que viessem em busca da minha alma, era que esperassem um pouco enquanto eu tomava um Sonrisal. Rebanho de pecadores, hereges, infiéis, falsos ao corpo, donos de shoppings, guardadores de carros, presidentes do Esporte Clube Bahia, banqueiros, infames, lulistas, chavistas, bushistas, médicos do SUS, e filisteus, acautelai-vos!


Texto de Jolivaldo Freitas, escritor e jornalista. e-mail: jfk6@uol.com.br

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