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Meu filho me pediu uma boneca
Há uns dois meses meu filho de sete anos me pediu uma boneca. Dividida entre a intelectualidade dos estudos acadêmicos e os valores que a nossa "reaça" sociedade demonstra nas questões de gênero, dei a
boneca," bancando" um barulho enorme por parte da família, colegas de
trabalho, ex-marido e afins. Sem contar com a censura silenciosa de
alguns, revelada por olhares ou gestos. É claro que recebi apoio e
solidariedade. Mas o oposto foi muito mais pesado. Confesso que
compreendo. Por parte de alguns mais, por parte de outros, menos. Mas
respeito.
O meu desconforto foi muito mais em relação a mim mesma do que às
posturas percebidas, públicas ou anônimas, verdadeiras ou educadas.
Foi duro encarar minha insegurança em assumir DE FATO uma posição em relação às minorias sociais. Foi esta imagem, refletida no espelho das relações familiares que meu filho e sua boneca me obrigaram a olhar. Tive que sustentar uma postura, na prática, que há muito considerava como minha. Em teoria. Só descobri isto quando foi com um filho meu.
Aqui faço um parêntese: enquanto eu me torcia e retorcia constrangida,
fazendo como o anão de jardim "cara de paisagem", meu filho não estava nem aí para os olhares e comentários sobre meninos e bonecas e exibia orgulhoso a sua gorducha bailarina, penteando os seus cabelos,
trocando as suas roupas, mudando o seu penteado, entre extasiado e
maravilhado com as possibilidades daquele "ser" de 20 e poucos
centímetros e puro látex, para onde ia: no meu trabalho, no Mestrado,
pelas ruas, na casa do avô, do pai...lugares públicos ou privados para
este menino não dizam nada! A cada um que afirmava que boneca não era coisa de "macho", ele perguntava candidamente: por quê?
A boneca para o meu filho foi um Lego às avessas: montava, desmontava, descobria as calcinhas (olha mamãe a calcinha dela!) maquiava, lavava, alimentava... Confesso: quando ninguém estava olhando, brincava junto com ele e me divertia à beça, me sentindo criança de novo, relembrando o prazer de simplesmente brincar!
Enquanto isso, na vida real as opiniões se dividiam entre as seguintes opções:
OPÇÃO A: Não é nada demais, é só uma fase, (os conservadores, mal
disfarçando o seu mal-estar psicologizando a "coisa")
OPÇÃO B: Ele está descobrindo a sexualidade, (os moderados)
OPÇÃO C: Ele esta aprendendo a cuidar dos filhos. Por que, homem não
pode cuidar dos filhos, não é? (os progressistas-liberais de extrema
esquerda intelectuais, dentre eles, minha querida "profdoc" Cristina
Novikoff, um bálsamo na minha vida)
OPÇÃO D: Ele está querendo chamar a atenção em protesto por tudo que passou nestes últimos tempos (os contemporizadores sociologizando a mesma "coisa")
OPÇÃO E: Este menino vai é ser "viado" mesmo! (muitos, em off, é claro!)
OPÇÃO D: Nenhuma das anteriores (mas esta opção não é aceita na
pedagogização da "coisa")
E eu ali, realizando uma pesquisa disfarçada sobre o assunto,
coletando os dados, tratando-os e analisando os resultados!
Mentalmente, catalogava as opiniões. Torturava-me a possibilidade
entre assumir uma atitude "firme" com meu filho para não ser julgada e
execrada, ou seja, aceita pelos meus pares, ou ainda pior, sucumbir
num mar de disfarces, meias-mentiras, mentiras inteiras,
hipocrisias...
Optei pela lealdade aos meus princípios. É neles que está o amor
incondicional ao ser humano e o respeito às diferenças, que só se
consolidam se você tiver um compromisso real com a verdade. A sua
verdade. Possibilitando àquilo que é estranho, ser familiar. Esta
postura é uma daquelas que, quando a gente "bota a cara" sabe, e leva
muita, mas muita porrada (não é Aninha?).
Meu filho é um ser humano. Pode ser diferente ou não no sentido
convencional das opções sexuais. Mas isto não é importante. É apenas
uma categoria de análise. Logo, não posso abrir mão dos meus
princípios, pois eles constituem a minha identidade. Mantenho-me fiel
a eles.
Bem seja o que for que representa a boneca para o meu filho, o fato é
que ele está feliz da vida com o seu brinquedo novo e está me pedindo
outra...
O fundamental, importante e imprescindível é o amor que sinto por este
mini-humano e a admiração profunda que sinto ao vê-lo cuidar tão
amorosamente do irmão menor, pela sensibilidade em perceber só de
olhar meu rosto, o meu estado de ânimo, mesmo se tento disfarçar (e me alertar!), pela preocupação com o coletivo, demonstrada nas pequenas atitudes cotidianas, como não jogar papel de bala no chão ou recolher as garrafas pets que meu pai insiste em atirar no seu quintal; em demonstrar bom caráter ao não contar mentiras muito punks (aquelas que sacaneiam alguém ferindo seus sentimentos), pela comoção sincera quando vê um desvalido, pela alegria com que admira a beleza de uma florzinha safada no jardim da minha mãe e colhê-la e colocar num copo me oferecendo; ao adorar incensos e gostar livros, não com a devoção que eu gostaria, mas ok, e ao profundo amor que devota à sua Bolinha. Me emociono ao vê-lo dormir e me assusto com a rapidez com que está tendo que amadurecer, pois a vida não tem sido fácil para ele.
Sendo assim, é muito fácil ser mãe deste ser humano de sete anos que
me chama de mamãe. E se ele for gay, lésbica, hetero, bi, drag,
transformista ou desejar uma cirurgia de mudança de sexo, tudo bem.
Mesmo. O importante é que seja qual for o caminho escolhido, que seja
pautado pelos princípios humanitários. Aqueles que fazem a gente ser
decente e não nos torna indiferentes às misérias do mundo. E de
quebra, que ame o seu próximo, respeitando a dignidade alheia. E que
sonhe sempre com um mundo melhor, como antídoto para afastar o cinismo que ronda o cotidiano da perversidade.
Antônio, eu te amo meu filho.
Por tudo. Mas principalmente por me fazer olhar, de forma corajosa
para dentro de mim mesma.
Com amor,
Mamãe
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