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sexta-feira, 20 de março de 2009

O curso das águas


Para Malinoviski

- Desta vez juro.

- Juras mesmo?

- Não estou te dizendo? Não sou homem de ficar jurando aí por qualquer dez mil rés. Juro por tudo o que há de sagrado. Quer mais? 

- Ora, ora... Se não te conhecesse muito bem até mandaria rezar-te uma missa. Desde quando sacralizastes alguma coisa? Não tem jeito, arranja outra que essa não dá. 

- Tudo bem, me deixa ver...(é difícil ter amigos de longas datas, nem uma jurazinha besta você pode fazer!), bom então vamos para o plano material, certo? 

- Tudo bem, o que você oferece para acreditar sua palavra? 

- Não! Você não está entendendo! A palavra não é minha, só quero repassar o que ele me contou! 

- Mesmo assim, conheço sua verve inventiva, suas alucinações e seqüelas neurológicas. Lembro-me muito bem do caso do lobisomem que explicava aquelas lapadas fundas que carregavas nas costas e no pescoço. Achas que acreditei? Nem que a sua mãezinha jurasse por você. Apenas achei distraída, criativa, bem argumentada. Era algo para deixar Guy de Maupassant de cabelos em pé e pensando: “como não pensei nisso antes?”. Agora dizer que acreditei? Nunca, nunquinha, em nenhuma palavrinha, nada. 

- Tudo bem, vamos fazer o seguinte: se for mentira você fica com o meu vinil do Roberto... 

- Qual? 

- É... você sabe muito bem! Aquele que você já me tentou roubar algumas vezes... 

- Eu?! 

- É, sim senhor! Não se faça de cínico... Aquele de 1969 que ele está sentado na areia da praia. 

- Caramba! Então a coisa é séria mesmo. 

- Posso contar agora? 

- Vá lá, olha que se for mentira... 

- Escuta só.

Era um fim de tarde abafado, sabe como é, né? Não era quente como de costume, era abafado, aquele abafado úmido que todos percebem logo que vai “invernar”, vai cair um “toró”, e só nos resta buscar um abrigo e torcer para que não venha com a mudança do vento nordeste para o vento sul.

Fatal, se entrar com o vento sul é chuva para três dias. Vento baixo e água a granel, não há guarda-chuva que resolva, a chuva vem da canela para o pescoço. Segundo Dona Maria, minha (posse consuetudinária soteropolitana) baiana que me alimenta há pelo menos 20 anos, é vento prá “constipiu de pinote”, todo cuidado é pouco, vale até arruda e alho no sutiã. Vixi! É barra pesada.

No boteco que escolhi como abrigo antiaéreo, sentei-me estrategicamente em uma mesa de fundo para fugir da névoa de água que bailava no vento. Era um local bem protegido, pelo menos da água. Antes de continuar te adianto: meu amigo, toda proteção é mera ilusão.

Assim, sentado lá no cantinho, sentindo-me invisível, fiquei confortável ao ponto de pedir algo para beber enquanto esperava uma estiagem para prosseguir meu caminho. Havia passado, no máximo, dez minutos quando se formou um burburinho na porta, todos falavam ao mesmo tempo, a discussão se acalorava rapidamente e quanto mais o clamor das vozes se exaltava mais o balconista alteava o seu hi-fi (rádio para os mais jovens), que berrava uma doce canção do Marcio Greyck:

“Eu me perguntei se esse mundo é o meu/
Não encontro paz e já me cansei.../
Eu só quero amar, não ferir ninguém/
Eu só quero amar, nada mais além...”

De repente ele surgiu lá do burburinho e veio de dedo em riste apontando em minha direção. Nesse momento, lembrei-me do Luiz que sempre me disse que tenho sangue doce prá maluco. Pois, de dedo ainda em riste, decretou: - “Então ele será o juiz da questão”, resistir em levantar a cabeça e constatar que aquele incisivo “ele”, tratava-se na realidade de minha pessoa. Levantei o olhar como quem quer ampliar a miopia, mas não teve jeito. A tribuna estava montada, todos aceitaram de pronto, o veredicto seria meu.

“Preciso crer que se pode achar /
Um lugar de paz nesse mundo mau/
Eu só quero amar, não ferir ninguém/
Eu só quero amor, nada mais além...”

Me deu vontade de entrar no hi-fi e esmurrar o Marcio Greyck. A chuva reduziu, ficou uma garoazinha. Dava perfeitamente para eu seguir meu caminho, mas havia uma pequena multidão (relação população/espaço), entre eu e a porta, que me impedia até de pensar em levantar. O postulante, à verdade postou-se entre a turba de incrédulos e eu, colocou uma garrafa de aguardente em minha mesa com dois copos, acho que seria um para ele e outro para mim, o que foi de imediato protestado por todos: 

- Você está querendo comprar o juiz!

Berravam alucinadamente, era uma contenda séria, não admitia essas nuances duvidosas. Um dos copos foi retirado, percebi rapidamente que havia sido o meu, pois o nosso gladiador urbano apanhou o copo sobrevivente e preencheu-o, por pouco tempo, diga-se de passagem. O balconista desligou o hi-fi, a mão do bardo tocou em meu ombro e disse: - “preste atenção e julgue”. Senti um frio na barriga, julgar? Eu?

Antes de qualquer possibilidade de contestação minha ele começou: 

- “Senhores, vago pelas ruas e incomodo a todos por ser na verdade o alterego que ninguém quer ser. Coloco nas minhas telas as cores que ninguém quer ver. Falo de amor e por isso sou ultrajado, rejeitado, até mesmo evitado e insultado. Essa cidade carcomida de sangue, luxúria e exploração me julga um pária, mas não ousa olhar para si, para suas entranhas”.
Após breve pausa para reencher o copo e esvaziá-lo com segura determinação, prosseguiu: -“Sr. Juiz (falou fitando-me nos olhos), estes homens sem fé não acreditam que sou Jesus! Querem me crucificar... Olhe para mim, olhe para eles e julgue. Não lave as suas mãos”.

O silêncio era total, todos olhavam para mim esperando o veredicto, eu olhava para todos esperando uma intervenção divina. O silêncio era tenso, pesado. Ali se definiria o futuro da humanidade.

O balconista re-ligou o hi-fi e o som encheu o pequeno e lotado salão onde até a pouco pregava o profeta.

"Eu sou terrível e é bom parar
Que desse jeito me provocar
Você não sabe de onde eu venho
O que eu sou , nem o que tenho

Eu sou terrível vou lhe dizer
E ponho mesmo pra derreter
Estou com a razão no que digo
Não tenho medo nem do perigo
Minha caranga é máquina quente

Eu sou terrível e é bom parar
Porque agora vou decolar
Não é preciso nem avião
Eu vôo mesmo aqui do chão

Eu sou terrível vou lhe contar
Não vai ser mole me acompanhar
Garota que andar do meu lado
Vai ver que eu ando mesmo apressado
Minha caranga é máquina quente

Eu sou terrível , eu sou terrível ...
"
(Eu Sou Terrível – Erasmo e Roberto)

Roger Ribeiro.
13 de março 2009.

Malinoviski, um dos melhores artistas plásticos que conheci, era um doidão .... um doidão folclorico do Rio Vermelho, mas quando não bebia, era uma pessoa doce e adorável. Mali faleceu no dia 12 de Março vítima de um atropelo. Mali já se encontrava internado ha dois meses e não resistiu... o Rio Vermelho lamenta a sua morte, o Rio Vermelho agora ficou bem mais careta...

Cássia

8 comentários:

  1. salve roger

    as paredes das nossas casas são testemunhas do nossa admiração por esse cara tão intenso,
    doce & azedo,
    amigo & inimigo
    mas uma cara "unico".

    um brinde ao mali.

    tony lopes

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  2. Conhecia Maly há anos nas minhas andanças da boêmia cultural pelo Rio Vermelho, mas só, há um ano, fiquei mais próximo dele. Sempre o achei um cara digno...sim qdo bebia ficava chato, mas quem não fica? todos nós ficamos...
    Que os deuses cuidem com carinho de sua alma...ele foi um grande talento e homem de idéias dignas em prol da liberdade de viver...
    um beijo no coração Maly!

    Cláudio Moreira

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  3. tenho boas recordações desse cara.

    uma delas foi: eu estava sentado em frente ao calypso bar... de repente ele apareceu e disse-me: "nunca fique de bobeira por aí"

    disse a ele que estava tudo bem e ele respondeu: "cuidado com a noite, ela é traiçoeira!"

    grande maly!

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  4. Tenho ele dentro da minha casa...gostava ...e sempre gostarei !

    Fique em PAZ MALI , fique com DEUS

    C certeza...um GRANDE BRINDE ao GRANDE MALINOVISKI !!!

    Ana Maria Gaúcha

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  5. Tenho na minha parede da minha sala um Maly. Não, não é somente um quadro de Maly. É um autorretrato dele...com muito, orgulho, carinho e, agora, saudade. "Caroooool, minha linda!", ele dizia, de quando em vez, quando me via...o chato Maly, o gênio Maly...

    Um beijo, Maly!


    Carol Gomes

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  6. Chato e Gênio !!!
    Carol disse tudo
    Esse sim, será uma lenda que o Rio Vermelho jamais esquecerá ...
    Um brinde a ele !!!
    Uma dose por ele, já que nunca mais tomarei uma dose com ele ...
    Aliás, quem já não foi forçado a tomar uma dose com Mali, quando ele vinha com aquela cara de por favor, pague só umazinha pra mim? ... e simplesmente , sem ser convidado, sentava na mesa.
    ôh Mali enjoado!!!!! kkkkk
    Enfim, hoje fico pensando ... sentiremos muita falta da chatisse dele !!!
    beijos na alma de Malinovisky

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  7. Mali para muitos ,mais eu o chamava de minha vida ,meu bêbê tenho muita saudadesó Deus sabe como anda meu coração.Malinovisky como alumas pessoas chamava,não era só meu amor e sim meu amigo meu amante ,irmão meu tudo. Amava quando ele mim chama de minha velha.muitos achav que ele era maluco,olha tenho que adimitir maluco kkkkk mais o meu maluco beleza que amava a vida ,e que foi muito maltratado por algumas pessoas que dizia ser amigo,hj ele não está mais aqui e quem sofre sofre sua falta são aquelas que realmente amou o maluco beleza.quero dizer que amo e um dia eu sei que vou encontra meu bêbê meu anjo que só mi troxe felicidade nessa vida apesar da bebida ele era meu amor que vinha mim ver sempre, e com palavras carinhosas queria escrever mais já não consigo enxergar as letras amei e amo. mais ficrá guardado todo esse amor até o dia que eu encontrar meu anjo.laura

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  8. olá quero pedir desculpa por meus erros ai de português se fosse escrito em um papel vcs não conseguiria lê uma só frase tb quero agradecer a o genio e amigo de mali por ter escrito palavras tão carinhosa . Onde ele estiver vai está feliz em saber que tudo que ele acreditou é verdadeiro que ainda existe pessoas com o coração bom e que se pode chamar de AMIGO, laura

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