Carnaval de Salvador
comércio, camarotes e vaidades
Dei uma de jornalista
em Salvador da Bahia
e fui consultar o povo
pra comentar a folia
que se chama Carnaval
uma festa cultural
que declina a cada dia.
Busquei a neutralidade
sem fazer intervenção
apenas eu transformava
com muita dedicação
tudo em versos de cordel
e anotava no papel
conforme vocês verão.
— O carnaval tá careca
muitos a ganhar dinheiro
engordando sua poupança
e o pobre do folião
precisa de um dinheirão
pra poder entrar na “dança”.
— O carnaval era público
porém tornou-se privado.
Toda a espontaneidade
acabou-se com o mercado
de gente gananciosa
prepotente e vaidosa
um esquema bem fechado.
— Hoje o clima é de apartheid
feito o Muro de Berlim.
De um lado o povo simples
e do outro camarim
criação de uma elite
que passou a dar palpite
e fazer coisa ruim.
— Agora ninguém me engana:
já não podemos pensar
neste carnaval baiano
como festa popular
já que a praça, que é do povo
tem agora um “Kartel novo”
pra excluir, pra faturar!
— Já existe fazendeira
empresário, explorador
donos de rede de hotel
gente vil, bajulador
matando essa bela festa
que o mundo inteiro atesta
carnaval de Salvador.
— No Recife prazenteiro
não tem corda ou escravidão.
Ninguém paga pra brincar
lá quem manda é o folião
mas aqui em Salvador
não há ética nem pudor:
tudo é privatização.
— Os artistas e empresários
que comandam o carnaval
eu não vou citar os nomes
dessa prole tão banal
figuras tão conhecidas
porém não comprometidas
com o lado social.
— Em perfeito e alto astral
fico com Moraes Moreira
artista conceituado
que enxergou a baboseira:
a ganância, a hipocrisia
dessa gente da Bahia
prepotente e ‘aberteira’.
— Vai morrendo a tradição
da nossa rica cultura
pouco a pouco os blocos-afros
caem na “rua da amargura”
porque a força do mal
que comando o carnaval
já domina a Prefeitura.
— O empresário fatura
sem visar o social.
Já criou-se um apartheid
nesse belo carnaval
que em vez de ser do povo
já pertence a esse novo
megaesquema industrial.
— Na perda da tradição
lá se vão o afoxé,
o sambinha, o ijexá,
a magia, o candomblé
que perderam seu espaço
para o tal do “pagodaço”
e a elite do axé.
— Logo eu estarei em Marte
longe de tanta artimanha.
veja agora que o Rei Mono
não precisa ter mais banha!
O processo é político
de prefeito paralítico
que só pensa em barganha.
— Cada um compra seu “lote”
no circuito Barra-Ondina
monopolizando espaço
que logo terá piscina!
Camarotes suntuosos
dos artistas vaidosos
cuja luz não me fascina.
— Aumentando a hipocrisia
pessoas submetidas
aos blocos de interesseiros
que fazem do pobre escravo
e lhe dão alguns centavos
para serem seus obreiros.
— Quem ousar cortar o mal
da máfia pela raiz
logo será destruído
vai ser mais um infeliz
pois o “plano” é muito forte:
eles sabem dar o corte
porque são pessoas vis.
— Muitas cenas de mau gosto
são vistas à luz do dia
em cima dos camarotes
onde rola a mordomia
das grandes “celebridades”
as famosas “majestades”
do carnaval da Bahia.
— Mas também há folião
que não tem discernimento
e acaba endeusando
certo bando de ‘jumento’
que faz música sem critério
só leva o dinheiro a sério
visando enriquecimento
— Cadê a preservação
da cultura africana
que muito contribuiu
pra essa festa baiana?
Perdemos nossa beleza
e o critério, com certeza
por causa da ratazana.
— Na voz dos ‘grandes artistas’
desse nosso carnavá
essa estória de dizer
“ onde tem povo, tô lá”
isso é mentira pura
eles vão pela usura
de ganhar muito bambá !
— As ruas e avenidas
estão sendo dominadas
por blocos e trios elétricos
das estrelas ”endeusadas”.
E os afoxés da gente
raiz afrodescendente
desfilam nas madrugadas.
— Não me venham com lambança
ainda sou pipoqueiro
folião independente
Tenho cérebro, não sou besta
(segunda nunca foi sexta!)
tampouco sou pagodeiro.
— E da forma que prossegue
essa louca trajetória
no futuro não se assuste
de um carnaval sem glória
que ficará registrado
e muito pouco lembrado
nas páginas da nossa história.
— Os empresários têm manha
pra matar a tradição...
Antes era o carnaval
festa da população
hoje é tudo demarcado
pelo tal Poder Privado.
Que se lasque o folião!
— Gosto mesmo é de Gerônimo
Tapajós, Ilê, Missinho
Luiz Caldas, Olodum,
dez mil vezes Armandinho
botando pra rebentar
trilhando Dodô e Osmar
com Aroldo, André e Betinho.
— Sou Muzenza, Sarajane,
a Mudança do Garcia,
Filhos de Gandy, Ara Ketu,
Walter Queiroz: poesia !
Apaches e muito mais
carnaval de glória e paz...
Quem jamais esqueceria?! ?
— Só queria um por cento
da riqueza de Guanaes
de Sangalo, de Chiclete,
etecéteras e tais...
Êta indústria de dinheiro
deste carnaval fagueiro
alienante demais !
— 60 anos de Trio
nós precisamos louvar
porque os nossos heróis
chamados Dodô e Osmar
tão chorando lá no céu
diante do escarcéu
que acabaram de instalar.
esses versos de cordel
desejando que essa festa
tenha mais sabor de Mel
e a praça do povão
volte a ter animação
sem a onda do “Kartel” !
FIM
Salvador, Carnaval de 2010
Nossa, que coisa boa ler este cordel - O Barreto de fato é um educador. Tão lúcido! Também estou no luto pelo carnaval da Bahia! E com tanto dinheiro público gasto para custear a festa da iniciativa privada (milhares de trabalhadores da segurança pública, equipes de saúde, apenas para citar alguns), eu esperava que o município saísse desta festa com muito dinheiro (com arrecadação de impostos dos trios, blocos e das fortunas do carnaval) para investimentos na área social, mas parece que a prefeitura sai mal das pernas; e esperava que houvesse distribuição da imensa renda que chega, mas o que rola é a exploração mais vil dos cordeiros e demais trabalhadores e mais concentração da renda para os "Bel", as "Ivete". Lamentável!!!
ResponderExcluirAliás, eu soube também que a prefeitura contrata a empresa de Ivete Sangalo para um dos trabalhos de organização do carnaval!!!??? Soube que o estado da Bahia jogou 50 milhões no carnaval (fonte certa, a princípio) - qual o retorno para o Estado? para os trabalhadores? para o município? E quanto gastou a prefeitura? Alguém poderia dizer: ah, relaxe, o Estado e a prefeitura gastaram para garantir entretenimento para o povo da terra - o povo, este que ou esteve carregando blocos de gelo nas costas durante a madrugada para vender uma latinha de cerveja ou deixou os muitos filhos dormindo em um canto de parede qualquer nos cinco dias da festa enquanto trabalhava ou cortou as mãos nas cordas dos blocos, sem ao menos uma luva que os empresários do carnaval se negaram a dar...São esses mesmos "Bel" que se recusam a fornecer um lanche digno aos cordeiros e a garantir um calçado para esses homens e mulheres baianos, como eles, os baianos "Bel" e as "Ivete". Todos conterrâneos, minha gente!! Atrás da máscara?!....
Ótimo o comentário anterior, de "Anônimo"!
ResponderExcluirEnquanto isso o Carnaval do Rio de Janeiro colocou três milhões de pessoas nas ruas, em blocos onde impera a alegria e a tanquilidade! Nada de cordas ou baixarias.
ResponderExcluirA carioca Preta Gil pediu permissão à prefeitura para colocar uma corda para "VIPs" no bloco dela. A prefeitura declarou que o bloco seria multado e impedido de sair se o fizesse....
O carnaval em Recife e Olinda foi popular, democrático e lindo!
ResponderExcluirPor falar em carnaval de Pernambuco, http://www.caotico.com.br/a-ingloria-peleja-do-demonio-da-telinha-contra-o-carnaval-de-rua/ .
ResponderExcluirE por falar em carnaval de Salvador, veja aquilo.
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