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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Carnaval de Salvador


Carnaval de Salvador
comércio, camarotes e vaidades

Dei uma de jornalista

em Salvador da Bahia

e fui consultar o povo

pra comentar a folia

que se chama Carnaval

uma festa cultural

que declina a cada dia. 

Busquei a neutralidade

sem fazer intervenção

apenas eu transformava

com muita dedicação

tudo em versos de cordel

e anotava no papel

conforme vocês verão.

— O carnaval tá careca

muitos a ganhar dinheiro

engordando sua poupança

e o pobre do folião

precisa de um dinheirão

pra poder entrar na “dança”. 

— O carnaval era público

porém tornou-se privado.

Toda a espontaneidade

acabou-se com o mercado

de gente gananciosa

prepotente e vaidosa

um esquema bem fechado. 

— Hoje o clima é de apartheid

feito o Muro de Berlim.

De um lado o povo simples

e do outro camarim

criação de uma elite

que passou a dar palpite

e fazer coisa ruim. 

— Agora ninguém me engana:

já não podemos pensar

neste carnaval baiano

como festa popular

já que a praça, que é do povo

tem agora um “Kartel novo”

pra excluir, pra faturar! 

— Já existe fazendeira

empresário, explorador

donos de rede de hotel

gente vil, bajulador

matando essa bela festa

que o mundo inteiro atesta

carnaval de Salvador. 

— No Recife prazenteiro

não tem corda ou escravidão.

Ninguém paga pra brincar

lá quem manda é o folião

mas aqui em Salvador

não há ética nem pudor:

tudo é privatização. 

— Os artistas e empresários

que comandam o carnaval

eu não vou citar os nomes

dessa prole tão banal

figuras tão conhecidas

porém  não comprometidas

com o lado social. 

— Em perfeito e alto astral

fico com Moraes Moreira

artista conceituado

que enxergou a baboseira:

a ganância, a hipocrisia

dessa gente da Bahia

prepotente e ‘aberteira’. 

— Vai morrendo a tradição

da nossa rica cultura

pouco a pouco os blocos-afros

caem na “rua da amargura”

porque a força do mal

que comando o carnaval

já  domina a Prefeitura. 

— O empresário fatura

sem visar o social.

Já  criou-se um apartheid

nesse belo carnaval

que em vez de ser do povo

já  pertence a esse novo

megaesquema industrial. 

— Na perda da tradição

lá  se vão o afoxé,

o sambinha, o ijexá,

a magia, o candomblé

que perderam seu espaço

para o tal do “pagodaço”

e a elite do axé. 

— Logo eu estarei em Marte

longe de tanta artimanha.

veja agora que o Rei Mono

não precisa ter mais banha!

O processo é político

de prefeito paralítico

que só pensa em barganha. 

— Cada um compra seu “lote”

no circuito Barra-Ondina

monopolizando espaço

que logo terá piscina!

Camarotes suntuosos

dos artistas vaidosos

cuja luz não me fascina. 

— Aumentando a hipocrisia

criaram os tais “cordeiros

pessoas submetidas

aos blocos de interesseiros

que fazem do pobre escravo

e lhe dão alguns centavos

para serem seus obreiros. 

— Quem ousar cortar o mal

da máfia pela raiz

logo será destruído

vai ser mais um infeliz

pois o “plano” é muito forte:

eles sabem dar o corte

porque são pessoas vis. 

— Muitas cenas de mau gosto

são vistas à luz do dia

em cima dos camarotes

onde rola a mordomia

das grandes “celebridades” 

as famosas “majestades”

do carnaval da Bahia. 

— Mas também há folião

que não tem discernimento

e acaba endeusando

certo bando de ‘jumento’

que faz música sem critério

só  leva o dinheiro a sério

visando enriquecimento 

— Cadê a preservação

da cultura africana

que muito contribuiu

pra essa festa baiana?

Perdemos nossa beleza

e o critério, com certeza

por causa da ratazana. 

— Na voz dos ‘grandes artistas’

desse nosso carnavá

essa estória de dizer

“ onde tem povo, tô lá”

isso é mentira pura

eles vão pela usura

de ganhar muito bambá ! 

— As ruas e avenidas

estão sendo dominadas

por blocos e trios elétricos

das estrelas ”endeusadas”.

E os afoxés da gente

raiz afrodescendente

desfilam nas madrugadas. 

— Não me venham com lambança

ainda sou pipoqueiro

folião independente

não quero ser chicleteiro.

Tenho cérebro, não sou besta

(segunda nunca foi sexta!)

tampouco sou pagodeiro. 

— E da forma que prossegue

essa louca trajetória

no futuro não se assuste

de um carnaval sem glória

que ficará registrado

e muito pouco lembrado

nas páginas da nossa história. 

— Os empresários têm manha

pra matar a tradição...

Antes era o carnaval

festa da população

hoje é tudo demarcado

pelo tal Poder Privado.

Que se lasque o folião! 

— Gosto mesmo é de Gerônimo

Tapajós, Ilê, Missinho

Luiz Caldas, Olodum,

dez mil vezes Armandinho

botando pra rebentar

trilhando Dodô e Osmar

com Aroldo, André e Betinho. 

— Sou Muzenza, Sarajane,

a Mudança do Garcia,

Filhos de Gandy, Ara Ketu,

Walter Queiroz: poesia !

Apaches e muito mais

carnaval de glória e paz...

Quem jamais esqueceria?! ?

— Só queria um por cento

da riqueza de Guanaes

de Sangalo, de Chiclete,

etecéteras e tais...

Êta indústria de dinheiro

deste carnaval fagueiro

alienante demais ! 

— 60 anos de Trio

nós precisamos louvar

porque os nossos heróis

chamados Dodô e Osmar

tão chorando lá no céu

diante do escarcéu

que acabaram de instalar. 

E aqui Barreto encerra

esses versos de cordel

desejando que essa festa

tenha mais sabor de Mel

e a praça do povão

volte a ter animação

sem a onda do “Kartel” ! 

FIM 

Salvador, Carnaval de 2010 

(Antonio Barreto)




Agradecimentos a Cleonice.

6 comentários:

  1. Nossa, que coisa boa ler este cordel - O Barreto de fato é um educador. Tão lúcido! Também estou no luto pelo carnaval da Bahia! E com tanto dinheiro público gasto para custear a festa da iniciativa privada (milhares de trabalhadores da segurança pública, equipes de saúde, apenas para citar alguns), eu esperava que o município saísse desta festa com muito dinheiro (com arrecadação de impostos dos trios, blocos e das fortunas do carnaval) para investimentos na área social, mas parece que a prefeitura sai mal das pernas; e esperava que houvesse distribuição da imensa renda que chega, mas o que rola é a exploração mais vil dos cordeiros e demais trabalhadores e mais concentração da renda para os "Bel", as "Ivete". Lamentável!!!
    Aliás, eu soube também que a prefeitura contrata a empresa de Ivete Sangalo para um dos trabalhos de organização do carnaval!!!??? Soube que o estado da Bahia jogou 50 milhões no carnaval (fonte certa, a princípio) - qual o retorno para o Estado? para os trabalhadores? para o município? E quanto gastou a prefeitura? Alguém poderia dizer: ah, relaxe, o Estado e a prefeitura gastaram para garantir entretenimento para o povo da terra - o povo, este que ou esteve carregando blocos de gelo nas costas durante a madrugada para vender uma latinha de cerveja ou deixou os muitos filhos dormindo em um canto de parede qualquer nos cinco dias da festa enquanto trabalhava ou cortou as mãos nas cordas dos blocos, sem ao menos uma luva que os empresários do carnaval se negaram a dar...São esses mesmos "Bel" que se recusam a fornecer um lanche digno aos cordeiros e a garantir um calçado para esses homens e mulheres baianos, como eles, os baianos "Bel" e as "Ivete". Todos conterrâneos, minha gente!! Atrás da máscara?!....

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  2. Ótimo o comentário anterior, de "Anônimo"!

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  3. Enquanto isso o Carnaval do Rio de Janeiro colocou três milhões de pessoas nas ruas, em blocos onde impera a alegria e a tanquilidade! Nada de cordas ou baixarias.

    A carioca Preta Gil pediu permissão à prefeitura para colocar uma corda para "VIPs" no bloco dela. A prefeitura declarou que o bloco seria multado e impedido de sair se o fizesse....

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  4. O carnaval em Recife e Olinda foi popular, democrático e lindo!

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  5. Por falar em carnaval de Pernambuco, http://www.caotico.com.br/a-ingloria-peleja-do-demonio-da-telinha-contra-o-carnaval-de-rua/ .

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  6. E por falar em carnaval de Salvador, veja aquilo.

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