As ciências exatas, especialmente a física ou a química mais avançada, nunca foram muito prestigiadas como fonte de compreensão e de metáforas na filosofia ou nas ciências humanas. Obviamente, a sua aridez matemática e excessiva abstração dificultam a sua popularidade. Talvez somente a física quântica e a teoria da relatividade geral tenha estimulado a imaginação dos não especialistas, e se tornado mais populares (“Tao da Física”, anyone?), mas não mais compreensíveis, já que constata-se que mais de 100 anos depois do estabelecimento de seus postulados, elas ainda são vastamente incompreendidas e mal interpretadas, seja por filósofos, seja por psicólogos ou outros pensadores menos cotados. Mas Sartre tem uma frase maravilhosamente cheia de significados e de sabedoria que finalmente redime - no caso, a química - de suas interpretações errôneas e das bobagens ditas em seu nome. Uma frase que emprega um fato conhecido de todos nós desde a época de colégio e cria uma metáfora rica e complexa, daquelas clássicas mesmo, pois toca no fundo de qualquer inquietude filosófica, e permite aprofundar a reflexão sobre nosso destino e o sentido (ou falta) de nossa vida.
“Uma vida é feita do futuro como os corpos são feitos de vazio”.
(E no original, caso o leitor mais sofisticado desconfie de minha tradução: “Une vie, c’est fait avec l’avenir comme les corps sont fait avec du vide”).
Entender que a vida é feita de futuro não é difícil, já que pertence ao senso comum a idéia de que uma pessoa sem planos ou perspectivas definha e se esvazia de vida. Mas corpos feitos de vazio? Expliquemos: o diâmetro de um átomo (mais rigorosamente, de sua eletrosfera) é de 10 mil a 100 mil vezes maior que o diâmetro do seu núcleo. Ora, praticamente toda a massa de um átomo está em seu núcleo, já que a massa de um próton é cerca de 1.800 vezes a massa de um elétron. Ou seja, para todos os efeitos práticos e científicos, o átomo é oco, vazio. E como tudo que constitui os corpos, sejam humanos ou animais, vegetais ou inanimados, é feito de átomos, tudo o que sentimos, percebemos, tocamos e sabemos que existe é feito de vazio, inclusive e principalmente nós mesmos. E a comparação disto com nossa vida e nosso futuro? Deixo para a reflexão de quem lê estas linhas.
Fiz uma busca e achei quem tivesse escrito que a frase de Sartre refere-se ao "nosso esforço permanente de preencher no tempo futuro o vazio de nossa existência, lutando pela sobrevivência, tentando entender o que estamos fazendo neste mundo". Extrapolou?
ResponderExcluirMe esforcei pra simpatizar com a frase de Sartre. Porque Guto gosta dela, e porque nao me dava o direito de não gostar de algo escrito pelo filósofo. Mas nao teve jeito, nao desceu.
Gosto da ideia de que a vida é feita de presente, ou de desejo. Aceito que a vida também seja feita de expectativas, de perspectivas, e de muitas outras coisas. Serve?
Me fascina a ideia de que somos feitos de vazio, no sentido de o universo nao ter a concretude que aparenta. Sinto-me atraído por uma realidade que é material-porém-ondulatória-porém-material.
É interessante lembrar que a palavra francesa "vide" também pode ser traduzida como "vácuo", além de "vazio". Depois de ter lido algumas considerações feitas pelo Dr. Wladimyr Sanchez, abandonei a idéia de que o vácuo é vazio, e a substituí pelo conhecimento de que o vácuo tem energia. Segundo o referido doutor, o vácuo espacial é repleto de partículas que pulsam brevemente. A energia necessária para criar tais partículas vem do vácuo, e volta para o vácuo quando as partículas se aniquilam.
Quase me aborrece que Sartre tenha ligado aquelas duas idéias. Me parece uma espécie de brincadeira, como se ele estivesse querendo nos enganar. Estou enganado?
A frase tem o mérito de aproximar um exato e uma humana, o que me dá uma certa esperança...