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terça-feira, 3 de junho de 2008

A Cidade da Bahia.

Consigo entender a excitação que sente um pesquisador brasileiro que está pela primeira vez na Torre do Tombo ou no Arquivo Nacional. Posso imaginar como é ler escritos de quem viveu outras épocas, e tentar montar "quebra-cabeças históricos" com base em dezenas de relatos pessoais. Quando leio um desses relatos quase consigo ouvir os sons e sentir os cheiros do lugar...

Citei o texto abaixo num outro post, mas logo me ocorreu que ele merece destaque. O autor é um missionário norte-americano. A época: por volta de 1860.

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Depois de três ou quatro dias de viagem, a ponta inferior da ilha de Itaparica, com suas numerosas palmeiras, aparece no horizonte e apenas por um curto espaço de tempo, surge diante dos olhos escondendo o perfil das abóbadas brancas e das torres das igrejas de São Salvador, da Bahia, a segunda cidade do império.


Chegado o vapor fui, por gentileza do senhor Nobre, o guarda-mor, imediatamente levado para a costa no seu escaler oficial. Os muros de uma fortaleza circular que se ergue do fundo das águas, construído pelos holandeses, levantam as suas carrancas sobre a embarcação; enquanto as fortalezas dos mortos dominam o porto e toda a cidade.

Desembarcando na rua da Alfândega, passei pela cidade baixa, com suas ruas estreitas (em alguns trechos existe apenas uma) correndo paralelas com a praia.

Ao longo da rua da Praia estão localizados a Alfândega e o Consulado, pelo qual todos os produtos da região devem passar previamente para serem exportados. Alguns dos trapiches vizinhos são de uma imensa extensão, e dizem figurar entre os maiores do mundo.

Em redor dos desembocadouros, centenas de canoas, lanchas e várias outras pequenas embarcações, descarregam suas cargas de frutos e produtos. Em uma parte da praia está uma larga abertura, que é usada como praça do mercado. Perto deste um belo e moderno edifício espaçoso foi construído para uma Bolsa. Está bem suprido de jornais de todas as partes do mundo, e ocupa ótima posição. As principais casas comerciais situadas na rua Nova do Comércio, compõem o mais belo bloco de edifícios do Brasil, - talvez de toda a América do Sul. Estes edifícios poderiam adornar os bairros comerciais de Londres, Paris ou Nova Iorque.

A cidade baixa não foi calculada para causar uma favorável impressão no estrangeiro. Os altos edifícios são quase todos velhos, embora geralmente apresentando alegres fachadas. As ruas nesse bairo são muito estreitas, desiguais e mal pavimentadas, e por vezes tão imundas quanto as de Nova Iorque. Estão repletas de mendigos e carregadores de todas as espécies. Aqui ficamos informados de uma das peculiaridades da Bahia. Devido às irregularidades de seu terreno e a forte declividade que separa a cidade alta da baixa, não é possível o uso de carruagens de rodas. Nem mesmo um carro ou carretazinha é vista destinada a remover cargas de um lugar para outro. Tudo que requer troca de lugar em todo o comércio e negócios comuns deste porto de mar - e é o segundo em tamanho e importância na América do Sul - deve ser na cabeça e nos ombros dos homens. As cargas são aqui mais comumente carregadas nos ombros, visto que a principal exportação da cidade é açúcar em caixas e algodão em fardos, que é impossível carregar na cabeça como sacas de café.

Grandes quantidades de negros altos e atléticos são vistos movendo-se em pares ou bandos de quatro, seis ou oito, com suas cargas suspensas entre eles por fortes varapaus. A maioria deles é vista sentada em tais varapaus, trançando palha, ou dormindo deitados nos becos e nas esquinas das ruas, lembrando negras serpentes enroladas à luz do sol. Os dorminhocos têm geralmente alguma sentinela pronta para chamá-los quando se precisa dos seus serviços, e ao sinal dado, levantam-se como o elefante para a sua tarefa. Como os carregadores de café do Rio de Janeiro, eles muitas vezes cantam e gritam quando andam; mas o seu modo de andar é necessariamente lento e medido, semelhando antes a uma marcha fúnebre do que o duplo passo apressado dos seus colegas fluminenses. Outra classe de negros se ocupa em carregar passageiros numa espécie de assento tipo sedan denominado "cadeira".

É em verdade um trabalho penoso e algumas vezes perigoso para uma pessoa branca subir a pé as encostas íngremes onde fica a cidade alta, mormente quando os poderosos raios de sol estão dardejando sem dó, sobre a cabeça. Nenhum ônibus ou cabriolé se encontra para fazer o serviço. De acordo com este estado de coisa, o transeunte encontra perto de cada esquina ou ponto de maior freqüência, uma longa fileira de cadeiras acortinadas, cujos portadores, de chapéu na mão, aglomeram-se apressados em volta dele, embora sem as desfaçatez dos condutores de carros da América do Norte, dizendo, "Quer cadeira, senhor?" Depois que fez a sua escolha, e sentou-se à vontade, os condutores levantam a sua carga e marcham, aparentemente tão satisfeitos pela oportunidade de carregar um passageiro, como este com a sorte de ser carregado. Ter uma ou duas cadeiras, e negros para levá-las, é tão necessário à uma família na Bahia, como ter carruagem e cavalos em outro qualquer lugar. O traje dos condutores e o grande custo das cortinas e ornamentos das cadeiras, indicam a categoria e o tom da família que os possui.

Provavelmente os encontrará uma altiva crioula negra mina, que se gaba de ser chamada pelo nome de baiana. Seu turbante, seu xale, seus ornamentos e passo elástico sobre chinelas de salto, mostram uma graça nativa inatingível pela moda moderna.

Sinto não ter nenhum desenho da Bahia tirado de bordo, - pois deste ponto a cidade parece verdadeiramente magnífica em suas proporções; mas a grande gravura feita de um daguerreótipo, dá essa vista da metrópole religiosa do Brasil, estendendo-se em seus morros em forma de terraços em torno de Monserrate. A subida íngreme em que vemos os condutores de cadeiras, é a mesma que Henry Martyn subiu em 1805, tão pitorescamente descrita no diário que foi incorporado às páginas da sua biografia. A cidade baixa, com exceção da rua Nova do Comércio, mudou muito pouco desde a visita desse devotado missionário.

Algumas das ruas que ligam as cidades altas e baixas sofrem um curso em zig-zag ao longo das escarpas, outras cortam elevações quase verticais para evitar, tanto quanto possível, a sua forte declividade. Nem mesmo no alto dessas colunas a superfície é plana. Nem mesmo Roma pode gabar-se de tantos morros como os que aqui se acham reunidos, formando o recinto da Bahia. Sua extensão entre seus limites extremos - Rio Vermelho e Monserrate - é de cerca de seis milhas. A cidade não é em parte alguma larga, e na maior parte é composta apenas de duas outras ruas principais. a direção destas ruas muda com as várias voltas e os ângulos necessários para não abandonar o alto do promontório. Intervalos freqüentes entre as casas construídas ao longo da parte mais alta permitem ver a mais pitoresca vista da baía, de um lado, e do interior do outro. O aspecto da cidade é antigo. Grandes somas têm sido gastas no seu calçamento, - porém tendo mais em vista conservar as ruas contra os danos das chuvas, do que fornecer estradas para qualquer gênero de carruagem. Aqui e ali podem ser vistas antigas fontes de cantaria, situados num vale de maior ou menor profundidade, para servir de ponto de captação para as águas que descem morro abaixo; mas em parte alguma se vê um aqueduto importante, se bem que recentes obras hidráulicas, com motores a vapor fabricados na França, tenham sido realizadas do lado leste do Noviciado, que permitirá um benéfico suprimento de água potável para a cidade alta.

Contemplando a baía vista do teatro (o grande edifício no alto da esplanada) somos levados aos mais primitivos tempos da história colonial do Brasil. O antigo forte arredondado no meio das ondas é um episódio do breve poderio da Holanda nessa porção da América, construção sobre a qual o tempo não fez grandes alterações.
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(KIDDER, Daniel Parish; FLETCHER, James Cooley. O Brasil e os brasileiros; esboço histórico e descritivo.)


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