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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Pão, poesia e tribalismo

Ontem eu estava com um verso na cabeça, sabia que era de uma música, não conseguia lembrar qual. Pensei em Gonzaguinha, Chico, Fagner, e não fechava...


Apelei pro Google: digitei "dar um beijo em * sorriso", e fez-se luz! Achei a letra de "Pão e poesia", de Moraes Moreira. Na verdade gosto de "dar um beijo em seu sorriso, sem cansaço", mas não gosto muito da música. É estranho... a letra tem alguns versos muito bons, mas o conjunto não desce. É como se mais de uma pessoa tivesse feito a letra, numa espécie de jogo onde cada participante pegasse de onde o outro parou e acrescentasse um ou dois versos.


Por causa disto, me diverte imaginar que a letra foi feita pelos Tribalistas. Teria acontecido assim:


Estavam na casa de Marisa. Fazia calor. Brown não tinha fumado um baseado, pois ele não curte drogas, e estava batucando no peito. Marisa estava meio estressada, pois tinha pedido a Seuvalter, o 2º motorista, pra ir buscar Mano Vladimir na escola experimental, e eles ainda não tinham chegado. Ela considera Seuvalter repressor, portanto evita que ele interaja com Mano Vladimir; ela percebe que as duas babás não têm uma formação que lhes permita orientar o motorista a respeito de como lidar com uma criança sensível como Mano Vladimir, e sabe que elas não têm pulso para controlar Seuvalter, de forma que às vezes Mano Vladimir acaba por não fazer tudo que quer. Arnaldo estava lendo "Os Irmãos Karamazov" no original, ouvindo um LP de Lucho Gatica, fazendo um haikai, vendo um filme de Wim Wenders, e pintando, ou seja, estava relaxando.


Provavelmente pra afastar as preocupações, Marisa disse:


- A gente podia... sei lá... fazer uma música... nós 3... ao mesmo tempo... cada um fazia um verso, ou dois, ou três, ou quatro, ou quantos quisesse, e aí quando um parasse o outro continuava, e fazia um verso, ou dois, ou três, ou quatro, ou quantos quisesse, e aí quando um parasse o outro continuava, e fazia um verso, ou dois, ou três, ou quatro, ou quantos quisesse, e aí quando um parasse o outro pegava e continuava... Entende?


Brown:
- Como assim?!?


Marisa:
- Eu não sei se eu consigo explicar direito. Cada um fazia um verso, ou dois, ou três, ou quatro, ou quantos quisesse, e aí quando um parasse o outro continuava, e fazia um verso, ou dois, ou três, ou quatro, ou quantos quisesse, e aí quando um parasse o outro continuava, e fazia um fazia um verso, ou dois, ou três, ou quatro, ou quantos quisesse, e aí quando um parasse o outro pegava e continuava... Entende?


Brown parou de batucar no peito, e falou:
- Eu ainda não entendi, mas eu topo. Eu pego rápido!


Arnaldo, entediado:
- Sim, poderemos fazê-lo. Obviamente não chega a ser uma idéia original, haja vista que a prática de fazer poemas a quatro mãos tem origens em França, finais do século XVIII, quando uma grande quantidade de intelectuais foi encarcerada. Com o propósito de combater o tédio, os literatos discutiam, escreviam, jogavam gamão, e engajavam-se em atos de sodomia. Uma vez que no cárcere havia escassez de papel e tinta, desenvolveu-ve a prática de expressar-se com economia de recursos materiais, ao passo que estreitavam-se laços afetivos. Devo ressaltar, porém, que neste caso trata-se apenas de uma letra de música, e não de uma peça literária, e que não seriam quatro mãos, e sim apenas uma, além de três bocas. Dito isto, brinquemos! Por gentileza faça anotações, Marisa.


Marisa, animadíssima:
- Eu começo!!!


Marisa:
- Felicidade é uma cidade pequenina...

Carlinhos, pisando em ovos:

- ... é uma casinha é uma colina...

Arnaldo, entediado:
- ... qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar.

Se a vida fosse trabalhar nessa oficina...

Carlinhos:
- ...fazer menino ou menina, edifício e maracá...

Marisa:
- ... virtude e vício, liberdade e precipício, fazer pão, fazer comício...

Carlinhos, pegando o jeito:
- ... fazer gol e namorar!

Arnaldo, entediado:

- Se a vida fosse o meu desejo: dar um beijo em teu sorriso, sem cansaço...

Carlinhos, já mais seguro:
- ... e o portão do paraíso é teu abraço quando a fábrica apitar...

Arnaldo, entediado:
- Numa paisagem entre o pão e a poesia
entre o quero e o não queria
entre a terra e o luar...

Marisa:
- ... não é na guerra, nem saudade, nem futuro...

Carlinhos, soltando a voz:
- ... é o amor no pé do muro sem ninguém policiar!

Arnaldo, entediado:
- É a faculdade de sonhar, é a poesia
que principia quando eu paro de pensar...

Marisa:
- ... pensar na luta desigual, na força bruta, meu amor
que te maltrata entre o almoço e o jantar.

Arnaldo, entediado:
- O lindo espaço entre a fruta e o caroço
quando explode é um alvoroço
que distrai o teu olhar
é a natureza onde eu pareço metade
da tua mesma vontade
escondida em outro olhar...

Carlinhos, acompanhando o raciocínio:
- ... e como o doce não esquece a tamarinda...

Marisa, na maior saia justa:
- ... essa beleza só finda quando a outra começar
vai ser bem feito nosso amor daquele jeito...


Carlinhos, interrompendo:
- ... nesse dia é feriado não precisa trabalhar!

Arnaldo, entediado:
- Pra não dizer que eu não falei da fantasia
que acaricia o pensamento popular
o amor que fica entre a fala e a tua boca
nem a palavra mais louca consegue significar...

Marisa, vendo que Mano Vladimir chegava:
- Felicidade!


Carlinhos, pegando as anotações, batucando no peito, e começando a sambar:
- Felicidade é uma cidade pequenina
é uma casinha é uma colina
qualquer lugar que se ilumina

quando a gente quer amar!




O refrão ficaria sendo este. Brown teria botado uma música em cima, na hora, pura intuição. Marisa já teria perdido o interesse na brincadeira e estaria tentando pentear os cabelos de Mano Vladimir, que estaria berrando. Arnaldo teria ponderado que a melodia proposta por Brown não favorecia a métrica.


Mais tarde decidiriam não incluir a música no álbum.


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